quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Se tudo que ofereceu até hoje não foi suficiente, talvez esteja na hora de oferecer sua ausência.

 
            Uma tarde quente de domingo. João está sentado no sofá da sala, olhando fixamente para o celular, como se esperasse uma mensagem que nunca chega. Pedro entra na sala, segurando uma garrafa de água, e percebe a expressão perdida do amigo. 

Pedro aproximou-se e sentou-se ao lado de João, deixando a garrafa sobre a mesa. 

— O que foi? — perguntou, quebrando o silêncio. 

João ergueu os olhos, como se só então tivesse percebido que não estava sozinho. 

— Nada... — murmurou, mas Pedro não se convenceu. 

— Fala aí. Tô te vendo há uma hora com essa cara de quem perdeu o último ônibus. 

João suspirou, deixando o celular de lado. 

— É que... parece que não importa o que eu faça, nunca é suficiente. 

Pedro inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. 

— Como assim? 

— Na escola, em casa, até com os amigos. Eu me esforço, mas parece que ninguém vê. 

Pedro ficou em silêncio por um momento, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. 

— Já parou pra pensar que talvez o problema não seja você, mas o quanto as pessoas se acostumaram com o que você oferece? 

João franziu a testa, confuso. 

— O que você quer dizer? 

— Olha, às vezes a gente dá tanto que os outros param de valorizar. E aí, quando você para de dar, só assim alguns percebem o que tinham. E muitos ficam brabos com isso.

— Mas isso não é meio egoísta? — João perguntou, hesitante. 

— Não é egoísmo, é autopreservação. Se você sempre está lá, sempre disponível, as pessoas acham que é obrigação sua ficar sempre à disposição.  

João olhou para as mãos, como se estivesse tentando processar aquelas palavras. 

— E o que eu faço, então? 

Pedro encarou o amigo, com um olhar firme. 

— Experimenta dar um passo pra trás. Ofereça sua ausência. 

— Minha ausência? — João repetiu, como se a ideia fosse absurda. 

— Sim. Às vezes, o silêncio fala mais alto que mil palavras. 

— Mas e se ninguém notar? 

— Se não notarem, é porque nunca te valorizaram de verdade. E aí você já tem sua resposta. 

João suspirou novamente, parecendo mais cansado do que antes. 

— É difícil, cara. 

— Eu sei. Mas você não pode se desgastar por quem não te valoriza. 

— E se eu me afastar e perder tudo? 

Pedro sorriu levemente, como se já esperasse aquela pergunta. 

— Perder o quê? Algo que já não te fazia feliz? Na verdade, aparentemente, você só estava sendo útil, nada mais.

João ficou em silêncio, olhando para o nada. 

— Às vezes, a gente precisa se ausentar pra se encontrar — Pedro continuou, com um tom mais suave. 

— Como assim? 

— Quando você se afasta, passa a se ver de fora. E aí percebe o que realmente importa.  Você vai notar que não era a sua presença que era importante, mas aquilo que você estava oferecendo. Pare de oferecer, de ser apenas útil para os propósitos da outra pessoa; muito provavelmente, você deixará de ser importante para ela.

João balançou a cabeça, como se estivesse lutando contra aquela ideia. 

— E se eu perceber que estou sozinho? 

— Melhor sozinho do que mal acompanhado, não? 

João não respondeu, mas Pedro percebeu que aquelas palavras haviam tocado algo nele. 

— E não é que você vai ficar sozinho pra sempre. É só um momento pra respirar.  Para refletir.

— E se eu me acostumar com a solidão? 

— Aí você vai saber o que realmente quer. E quando voltar, vai ser por escolha, não por necessidade. 

João olhou para Pedro, como se estivesse vendo o amigo pela primeira vez. 

— Isso faz sentido... 

— Claro que faz. A ausência não é um castigo, é um recomeço. 

— E se as pessoas não entenderem? 

— Elas não precisam entender. Isso é sobre você, não sobre elas. 

João hesitou, como se ainda houvesse uma dúvida pairando no ar. 

— E se eu me sentir culpado? 

— Culpa é só um sinal de que você se importa. Mas não pode deixar que isso te paralise. 

João concordou com a cabeça, ainda pensativo. 

— E lembre-se: você não tá desistindo, tá se colocando em primeiro lugar. 

— É difícil colocar a gente em primeiro lugar. 

— Difícil, mas necessário. 

João olhou para Pedro, com um sorriso tímido. Pedro sorriu de volta, sabendo que a semente havia sido plantada. 

— E aí, vai tentar? 

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Às vezes, a melhor forma de mostrar o seu valor é se afastando. Não como um jogo ou manipulação, mas como um ato de amor próprio. Quando você se ausenta, permite que os outros percebam o que tinham em você. E, mais importante, permite que você se reconheça. 

A ausência não significa desistir, mas sim se reconectar. É sobre entender que você não precisa estar sempre disponível para ser importante. E, se alguém não perceber a sua falta, talvez seja um sinal de que jamais enxergou você de verdade. 

Então, se você está se sentindo invisível, cansado de dar sem receber, experimente dar um passo atrás. Ofereça sua ausência. Porque, no fim das contas, quem te valoriza de verdade vai sentir sua falta. E quem não sentir, já te mostrou que não merecia estar ao seu lado. A vida é curta demais para ser pequena. Valorize-se.



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