Uma
tarde quente de domingo. João está sentado no sofá da sala, olhando fixamente
para o celular, como se esperasse uma mensagem que nunca chega. Pedro entra na
sala, segurando uma garrafa de água, e percebe a expressão perdida do amigo.
—
O que foi? — perguntou, quebrando o silêncio.
João
ergueu os olhos, como se só então tivesse percebido que não estava
sozinho.
—
Nada... — murmurou, mas Pedro não se convenceu.
— Fala aí. Tô te vendo há uma hora com essa cara de quem perdeu o último ônibus.
João
suspirou, deixando o celular de lado.
—
É que... parece que não importa o que eu faça, nunca é suficiente.
Pedro
inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.
—
Como assim?
—
Na escola, em casa, até com os amigos. Eu me esforço, mas parece que ninguém
vê.
Pedro
ficou em silêncio por um momento, como se estivesse escolhendo as palavras com
cuidado.
—
Já parou pra pensar que talvez o problema não seja você, mas o quanto as
pessoas se acostumaram com o que você oferece?
João
franziu a testa, confuso.
—
O que você quer dizer?
— Olha, às vezes a gente dá tanto que os outros param de valorizar. E aí, quando você para de dar, só assim alguns percebem o que tinham. E muitos ficam brabos com isso.
—
Mas isso não é meio egoísta? — João perguntou, hesitante.
—
Não é egoísmo, é autopreservação. Se você sempre está lá, sempre disponível, as
pessoas acham que é obrigação sua ficar sempre à disposição.
João
olhou para as mãos, como se estivesse tentando processar aquelas palavras.
— E o que eu faço, então?
Pedro
encarou o amigo, com um olhar firme.
—
Experimenta dar um passo pra trás. Ofereça sua ausência.
—
Minha ausência? — João repetiu, como se a ideia fosse absurda.
—
Sim. Às vezes, o silêncio fala mais alto que mil palavras.
—
Mas e se ninguém notar?
—
Se não notarem, é porque nunca te valorizaram de verdade. E aí você já tem sua
resposta.
João
suspirou novamente, parecendo mais cansado do que antes.
—
É difícil, cara.
—
Eu sei. Mas você não pode se desgastar por quem não te valoriza.
—
E se eu me afastar e perder tudo?
Pedro
sorriu levemente, como se já esperasse aquela pergunta.
—
Perder o quê? Algo que já não te fazia feliz? Na verdade, aparentemente, você
só estava sendo útil, nada mais.
João
ficou em silêncio, olhando para o nada.
—
Às vezes, a gente precisa se ausentar pra se encontrar — Pedro continuou, com
um tom mais suave.
—
Como assim?
—
Quando você se afasta, passa a se ver de fora. E aí percebe o que realmente
importa. Você vai notar que não era a
sua presença que era importante, mas aquilo que você estava oferecendo. Pare de
oferecer, de ser apenas útil para os propósitos da outra pessoa; muito provavelmente, você deixará de ser importante para ela.
João
balançou a cabeça, como se estivesse lutando contra aquela ideia.
—
E se eu perceber que estou sozinho?
—
Melhor sozinho do que mal acompanhado, não?
João
não respondeu, mas Pedro percebeu que aquelas palavras haviam tocado algo
nele.
—
E não é que você vai ficar sozinho pra sempre. É só um momento pra
respirar. Para refletir.
—
E se eu me acostumar com a solidão?
—
Aí você vai saber o que realmente quer. E quando voltar, vai ser por escolha,
não por necessidade.
João
olhou para Pedro, como se estivesse vendo o amigo pela primeira vez.
—
Isso faz sentido...
—
Claro que faz. A ausência não é um castigo, é um recomeço.
—
E se as pessoas não entenderem?
—
Elas não precisam entender. Isso é sobre você, não sobre elas.
João
hesitou, como se ainda houvesse uma dúvida pairando no ar.
—
E se eu me sentir culpado?
—
Culpa é só um sinal de que você se importa. Mas não pode deixar que isso te
paralise.
João
concordou com a cabeça, ainda pensativo.
—
E lembre-se: você não tá desistindo, tá se colocando em primeiro lugar.
—
É difícil colocar a gente em primeiro lugar.
—
Difícil, mas necessário.
João
olhou para Pedro, com um sorriso tímido. Pedro sorriu de volta, sabendo que a
semente havia sido plantada.
—
E aí, vai tentar?
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Às
vezes, a melhor forma de mostrar o seu valor é se afastando. Não como um jogo
ou manipulação, mas como um ato de amor próprio. Quando você se ausenta,
permite que os outros percebam o que tinham em você. E, mais importante,
permite que você se reconheça.
A
ausência não significa desistir, mas sim se reconectar. É sobre entender que
você não precisa estar sempre disponível para ser importante. E, se alguém não
perceber a sua falta, talvez seja um sinal de que jamais enxergou você de
verdade.
Então, se você está se sentindo invisível, cansado de dar sem receber, experimente dar um passo atrás. Ofereça sua ausência. Porque, no fim das contas, quem te valoriza de verdade vai sentir sua falta. E quem não sentir, já te mostrou que não merecia estar ao seu lado. A vida é curta demais para ser pequena. Valorize-se.
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