O lago estava quieto. Apenas o barulho do vento balançando as árvores e o som da água batendo na margem quebravam o silêncio. Rafael segurava a vara de pesca com uma expressão pensativa, os olhos fixos no reflexo do sol na superfície da água. Seu pai, em pé ao lado, ajeitou o chapéu e percebeu o silêncio do filho.
—
Alguma coisa está martelando sua cabeça, filho? — perguntou o pai, lançando
mais uma vez o anzol na água.
Rafael
suspirou e balançou a cabeça.
— É que… sei lá, pai. Estou começando a achar que sou bobo por querer ajudar todo mundo o tempo todo. Parece que, quanto mais eu faço, menos me valorizam. Só me procuram quando precisam de algo.
O
pai sorriu de canto, puxando levemente a linha para testar se o peixe mordera a
isca.
—
Entendo. Isso já aconteceu comigo algumas vezes.
Rafael
virou o rosto, curioso.
—
Sério? Mas o senhor sempre fala sobre ser gentil, ajudar os outros e tudo mais.
—
Ser gentil, sim. Ser bobo, não — o pai respondeu, dando uma pausa. — A questão
é que, quando ajudamos demais, sem limites, algumas pessoas começam a nos ver
como uma ferramenta, não como alguém de valor. E é aí que mora o problema.
Rafael
franziu a testa, segurando a vara de pesca com mais força.
—
Mas é errado querer ajudar? Ser bom para com os outros?
—
Não, claro que não. A bondade é uma das maiores qualidades que alguém pode ter.
Mas ela precisa de equilíbrio. Se você dedicar seu tempo, sua energia e seu
esforço a todos, o tempo todo, sem critério, acabará exausto… e pior, sem o
reconhecimento que merece.
O
jovem ficou em silêncio por um instante, olhando para a água, onde uma rolha de garrafa de vinho que ele usava como bóia, boiava preguiçosa.
—
Então, como saber quando devo ajudar e quando estão apenas me usando?
O
pai puxou a linha, sem sucesso. O peixe só tinha beliscado. Sorriu e olhou para
Rafael.
—
Você pesca, certo? — apontou para a vara de pesca do filho. — Quando o peixe
puxa a linha, o que você faz?
—
Eu vejo se a fisgada é firme antes de puxar. Se eu puxar muito cedo, perco o peixe. Se for muito tarde, o peixe foge com tudo.
O
pai assentiu.
—
Exatamente. Agora, pense na sua ajuda como esse anzol com isca. Você não pode
sair jogando por aí, em qualquer lugar do rio. Tem que avaliar se naquele lugar
há chances de ter peixe que vale a pena, se ali não há apenas peixes pequenos
que, por terem a boca menor que seu anzol, não serão fisgados, comendo toda a
isca e indo embora. Além de não pescar nada, estará desperdiçando iscas. É como
se você estivesse sendo usado pelos peixinhos para alimentá-los, sem ganhar
nada em troca. Então, precisa recolher seu material e procurar outro local para
pescar. Caso contrário, terá perdido seu tempo, suas iscas e sairá de mãos
abanando.
Rafael
passou a mão no queixo, refletindo.
—
Acho que entendi. Mas como faço para mudar isso? Algumas pessoas já se
acostumaram a me ver como um quebra-galho.
—
Aí vem a parte difícil: aprender a dizer “não” sem culpa. Isso não faz de você
uma pessoa ruim. Pelo contrário, faz de você alguém que se valoriza.
Rafael
soltou um riso abafado.
—
Não sei se consigo. Sempre me sinto mal quando nego algo para alguém.
O
pai sorriu de volta.
—
No começo, é difícil mesmo. Mas me diz uma coisa: se você empresta sua
bicicleta para todo mundo e ninguém cuida direito, o que acontece com ela?
—
Ela estraga rápido — respondeu Rafael, de imediato.
—
E quem fica sem bicicleta no final?
Rafael
abriu um pequeno sorriso de compreensão.
—
Eu.
—
E é assim com tudo na vida, filho. Se você se doar demais sem critério, quem
vai sair perdendo é você. Mas, se souber se impor, sua bondade será vista como
um presente, não como um direito dos outros.
Rafael
ficou olhando para o lago, digerindo aquelas palavras.
—
Então, se eu colocar um limite, as pessoas vão me respeitar mais?
—
Exatamente. Quem só estava ali pelo benefício vai se afastar. Mas quem
realmente valoriza você continuará por perto e entenderá seus limites. E essas
são as pessoas que realmente valem a pena ter ao seu lado.
O
jovem sorriu de leve, jogando um pedaço de pão na água e vendo um cardume de
peixinhos virem disputar sua “doação”.
—
Acho que entendi, pai. Não é sobre parar de ajudar, mas sobre ajudar sem me
deixar de lado.
—
Isso mesmo. Não tenha medo de se valorizar. A bondade é linda, mas precisa ser
dosada. Caso contrário, você deixa de ser especial e se torna apenas… útil.
Os
dois ficaram em silêncio por um instante, apenas observando o lago e ouvindo o
som do vento. Rafael sentia que tinha aprendido algo importante naquele dia.
Algo que, se praticasse, mudaria a forma como as pessoas o enxergavam.
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A
conversa entre Rafael e seu pai traz uma grande lição: ser bom não significa
ser tolo. Quando alguém está sempre disponível, sem impor limites, corre o
risco de ser tratado como um recurso, e não como uma pessoa de valor.
Muitas
vezes, confundimos bondade com dever. Ajudar faz bem, mas quando isso se torna
unilateral — quando só oferecemos e nunca recebemos — há algo errado. Saber
dizer “não” é uma forma de respeito próprio e ensina aos outros como devem nos
tratar.
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