quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Você chega em casa, faz um café, senta no sofá e não tem mais ninguém ali... Você que decide se isso é solidão ou liberdade.

 
            Na pequena mesa da cafeteria, Ana e Júlia se encontraram após meses prometendo um café juntas. Era uma tarde fria, e as duas seguravam suas xícaras como quem abraça uma fonte de calor.

Não sei como você consegue, Ana — começou Júlia, franzindo a testa. — Chegar em casa, todo dia, e não ter ninguém lá. Eu acho que ficaria maluca.

Ana deu um gole no cappuccino e riu, ajeitando o cachecol.

— E eu não sei como você aguenta dividir espaço com alguém, Júlia. Às vezes, o silêncio é a melhor companhia.

Júlia ergueu as sobrancelhas, desafiadora.

— Silêncio demais me assusta. Parece solidão, sabe? Chegar em casa e só ouvir o eco dos meus passos... Eu preciso de vozes, de barulho. Faz a casa parecer viva.

Ana inclinou a cabeça, pensativa.

— Eu vejo diferente. Quando chego em casa, faço meu café e sento no sofá, é como se eu respirasse liberdade. Não tem ninguém para reclamar se eu esqueço a toalha na cama ou para opinar no que eu vou jantar.

Júlia deu uma risadinha.

— E quando você sente vontade de conversar? Ou, sei lá, quando bate aquele vazio?

Ana sorriu.

— Aí eu ligo para você, oras. Ou coloco uma música, abro um livro, escrevo. Não é o silêncio que me faz sentir sozinha, sabe? É a falta de conexão. E isso pode acontecer mesmo quando você mora com alguém.

Ana tomou mais um gole do seu café e continuou:

— Sabe, Júlia, às vezes, não é onde ou com quem você está que determina se o momento é de liberdade ou solidão. Você pode estar cercada de pessoas, em casa ou em um shopping, e se sentir sozinha, sem uma conexão com essas outras pessoas. O que importa é você estar bem consigo mesma. 

Júlia se recostou na cadeira, processando as palavras da amiga.

— Faz sentido... Acho que, no fundo, solidão e liberdade são meio parecidas. Depende do que nós fazemos com elas.

Exato! — Ana apontou com a colher. — É como um papel em branco. Você pode achar que ele está vazio, ou então ver uma oportunidade de criar algo novo.

Júlia balançou a cabeça, como se a ideia começasse a fazer sentido.

— Então, talvez o problema não seja morar sozinha ou com alguém, mas o jeito como a gente enxerga isso.

Ana sorriu largo.

— Bingo. No fim, é tudo sobre o significado que a gente dá para as coisas.

Ana, quase sussurrando para que os outros não ouvissem, fez mais um comentário:

— Quer um exemplo de liberdade, Júlia? É poder entrar no banheiro sem pressa e não ter ninguém batendo na porta e gritando: “MORREU AÍ DENTRO?”

Júlia, nesse exato momento, havia tomado um gole de café e quase se engasgou ao rir do que a amiga tinha falado. E completou:

— O problema, Ana, é que se tu realmente passar mal lá dentro, não vai ter ninguém para notar tua demora e te socorrer. E quando começar o cheiro ruim, vamos ficar na dúvida se o cheiro é teu ou do que tu foi fazer lá dentro.

A gargalhada das duas chamou a atenção de todos os frequentadores. Alguns até riram junto, sem ao menos saber do porquê.

Após se recuperar das risadas, Júlia comentou:

— Tá bom, filósofa. Mas você ainda precisa admitir que dividir a pizza com alguém é bem mais legal do que comer sozinha.

Ana riu alto novamente, levantando a xícara.

— Isso eu não posso negar. Mas a parte boa de morar sozinha é que eu escolho todos os sabores!

E as duas riram, e o sol começava a se esconder atrás das janelas da cafeteria. Pagaram a conta, se despediram, e cada uma se dirigiu para a sua liberdade. Ou seria solidão?

Morar sozinho é como andar em uma corda bamba entre liberdade e solidão. Tem dias que você sente o gostinho de fazer tudo do seu jeito: decidir o que vai comer, colocar sua música favorita no volume que quiser, ou até só curtir o silêncio sem ninguém para interromper. É uma sensação boa, como se o mundo fosse só seu, e você pudesse moldá-lo do jeito que quiser. 

Mas nem sempre é tão simples assim. Às vezes, a casa parece grande demais e o silêncio, que deveria ser paz, vira um peso. Faltam aquelas conversas despretensiosas, o barulho de uma risada ou até uma briguinha por deixar a toalha na cama. Nessas horas, o vazio pode parecer mais presente do que a liberdade. A diferença? Está no jeito que você escolhe lidar com isso. 

            Morar sozinho tem seus altos e baixos. Você ganha independência, aprende a cuidar de si e, de quebra, descobre o valor de estar consigo mesmo. Mas também precisa encarar os dias difíceis, quando tudo parece mais distante. No fim, talvez o segredo seja transformar a solidão em liberdade, aproveitando o silêncio para se reconectar e lembrando que, mesmo sozinho em casa, você nunca precisa estar sozinho na vida.  

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