Havia um garoto lá no bairro, com 16 para 17 anos, tipo aqueles que já estão meio enjoado de ouvir sermão dos pais. Um dia ele se irritou de verdade, pegou um papel qualquer e colou na porta do quarto com os dizeres: “Deixem-me em paz!” Bem dramático, daquele jeito que todo adolescente já fez ou já pensou em fazer.
No dia seguinte, ele acordou achando que ia ser tudo igual. Mas quando desceu para a cozinha… estranhou. Tudo estava limpo, brilhando até. Menos um prato sujo. O dele, usado na janta do dia anterior.
Ele abriu a geladeira esperando achar o copo com o achocolatado que a mãe sempre deixava preparado. Não tinha nada lá. Nem um bilhete, nem a torrada preferida no forno para não esfriar, nada. A mesa da cozinha também estava vazia — e sempre tinha um dinheiro para comprar o almoço na escola, já que estudava em tempo integral.
O casaco dele continuava com o botão pendurado, implorando por uma agulha. Ninguém tinha arrumado. A gaveta de meias, que sempre “milagrosamente” se enchia de pares limpinhos… parada no tempo, vazia.
Quando chegou em casa, após a aula, por volta das 19 horas, estava tudo quieto, os pais apareceram só mais tarde. Tinham ido ao cinema juntos. Sem ele. Jantaram e deixaram as panelas sobre o fogão, como se fosse algo normal. Ninguém foi bater na porta do quarto para lhe dizer que o jantar estava servido. Não perguntaram como tinha sido o dia, se ele precisava de alguma coisa, nada.
Ninguém avisou que ele ia pegar friagem andando descalço pela casa. Ele só percebeu quando o chão gelou o pé. Ninguém mandou ele desligar a TV. Eles até assistiram um filme ali na sala, juntos, mas sem trocar duas palavras com ele — só conversando entre si, rindo entre eles, como se ele fosse um figurante na própria casa.
Quando resolveu sair para rua, ninguém perguntou “vai onde?”, mandou ele levar um casaco ou disse para ligar avisando onde estava.
E foi aí que bateu a solidão de verdade. A rua vazia, nenhum amigo por perto. E os pais… totalmente tranquilos, como se nem tivessem notado que ele tinha saído.
Ele voltou para casa devagar, meio sem graça. A cama dele estava do jeitinho que tinha deixado: bagunçada, com roupas caídas pelos cantos. Os pais já estavam se preparando para dormir. Ele respirou fundo e falou, quase num sussurro, que ia precisar de dinheiro para o almoço no dia seguinte.
E dormiu com aquela sensação estranha, meio amarga.
Na manhã seguinte, ele desceu e viu a pia igualzinha: só um prato sujo — o dele.
Mas, desta vez, o dinheiro estava lá na mesa.
O resto? Nada tinha mudado.
Antes de ir para escola, ele escreveu outro bilhete. Bem diferente do primeiro, deixando-o sobre a mesa:
“Desculpem… e, por favor, nunca mais me deixem sozinho.”
E sabe o mais curioso? Nada ruim tinha acontecido com ele. Ele conseguiu achar meias limpas, pois colocou as sujas na máquina, lavou o próprio prato e até costurou o botão torto do casaco. Fez as tarefas todas, como gente grande, meio desajeitado, mas fez.
Só que, no meio desse choque todo, entendeu o que nunca tinha percebido:
Os pais não estavam “pegando no pé”. Eles estavam cuidando dele. Cuidando de verdade. Do jeito silencioso que a gente só percebe quando falta.

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