Final
de tarde, Léo acompanhava Clara, que havia levado sua irmã, Luiza, de apenas 8
anos, para brincar na praça.
—
Ei, já reparou nessa cicatriz na minha mão? — perguntou Léo, esticando o braço
pra mostrar uma linha meio tortuosa que cruzava a palma.
—
Claro, como não? Parece que você brigou com a faca do pão e perdeu — respondeu
Clara, rindo enquanto mexia no cabelo, sentada no balanço da praça.
—
Quase isso! Foi numa queda de skate, uns dois meses atrás. Eu tava tentando um
ollie e... bom, o chão ganhou — ele deu um sorriso torto, como se revivesse a
cena.
—
E tu ainda acha isso legal?
— Não é que eu ache legal. É que essa marca me lembra que eu caí, mas levantei, tentei de novo, até conseguir. Sabe, tipo um troféu esquisito — Léo deu de ombros, olhando pro céu que começava a ficar laranja.
—
Humm, nunca pensei assim. Pra mim, cicatriz é só... sei lá, uma coisa feia que
a gente esconde — Clara falou, quase num sussurro, enquanto brincava com a
pulseira no pulso.
—
Pois é, eu também pensava assim. Até que um dia minha vó disse uma coisa que
ficou na minha cabeça: “Cicatrizes são marcas de superação que só um verdadeiro
guerreiro possui” — Léo repetiu, imitando a voz rouca da avó.
—
Sério? Tua vó é tipo filósofa? — Clara riu, mas tinha um brilho de interesse
nos olhos.
—
Ela é mais tipo uma contadora de histórias. Mas essa frase me fez enxergar
essas marcas de outro jeito. Não é só um machucado que ficou, é uma prova de
que eu lutei — ele falou, batendo leve no peito.
—
Tá, mas e as cicatrizes que não dá pra ver? Tipo, as de dentro? — Clara
perguntou, agora mais séria, olhando pro chão.
—
Essas são as mais pesadas, né? Não aparecem na foto, mas a gente sente o peso
delas todo dia — Léo respondeu, coçando a nuca, pensativo.
—
É. Às vezes, sinto que tô carregando um monte delas e ninguém vê — Clara
confessou, abraçando os próprios joelhos.
—
Eu te entendo. Já passei por umas barras que ninguém imagina. Mas sabe o que eu
descobri? Essas cicatrizes invisíveis também são minhas medalhas — ele disse,
com um tom firme, mas tranquilo.
—
Medalhas? Como assim? — Clara virou o rosto pra ele, franzindo a testa.
—
Tipo, cada vez que eu superei uma tristeza, uma raiva ou um medo, ficou uma
marquinha na alma. E essas marcas mostram que eu não desisti — Léo falou,
apontando pro coração.
—
Tá começando a fazer sentido... Mas e quando parece que essas marcas só pesam?
— ela perguntou, mordendo o lábio.
—
Aí é que tá o pulo do gato. Elas pesam, sim, mas também te lembram que você
aguentou o tranco. É tipo um lembrete de que você é mais forte do que pensa —
ele respondeu, com um sorriso de canto.
—
Forte, eu? Duvido. Tem dias que eu só quero ficar debaixo do cobertor — Clara
deu uma risadinha debochada.
—
E quem nunca? Mas olha só: você tá aqui, conversando, vivendo. Isso já é ser
guerreira — Léo piscou, tentando animar ela.
—
Tá, talvez eu seja um pouquinho guerreira. Mas e se eu não quiser mostrar essas
cicatrizes pra todo mundo? — Clara perguntou, cruzando os braços.
—
Não precisa. Elas são suas, não do mundo. O importante é você saber o que elas
significam — ele disse, com uma calma que quase contagiava.
—
Tipo um segredo entre mim e elas? — ela falou, quase rindo da ideia.
—
Exatamente! Um pacto entre você e suas batalhas — Léo confirmou, batendo as
mãos nas coxas como se tivesse resolvido um mistério.
—
Sabe, eu nunca tinha pensado nas minhas marcas assim. Sempre achei que eram só
defeitos — Clara admitiu, olhando pra ele com um meio sorriso.
—
Defeitos? Que nada! São tatuagens da vida, só que de graça — ele brincou, e os
dois caíram na gargalhada.
—
Tatuagens da vida... Gostei disso. Mas e se eu ainda tiver medo de cair de
novo? — ela perguntou, voltando a ficar séria.
—
Normal. O medo vem junto, mas ele não manda em você. Cada tombo é só mais uma
chance de ganhar outra cicatriz irada — Léo respondeu, com um entusiasmo que
fazia os olhos brilharem.
—
Então, quer dizer que eu sou tipo uma colecionadora de cicatrizes? — Clara riu,
balançando a cabeça.
—
Somos todos! A diferença é que os guerreiros de verdade não escondem as deles,
mesmo que sejam só pra si mesmos — ele falou, apontando pra ela como se tivesse
dado um checkmate.
—
Tá bom, Léo, tu me convenceu. Vou começar a olhar pras minhas cicatrizes com
outros olhos — Clara disse, endireitando a postura.
—
Esse é o espírito! E olha, se precisar de alguém pra te lembrar disso, é só me
chamar — ele ofereceu, com um sorriso amigo.
—
Combinado. Mas agora me conta outra: qual foi a pior cicatriz que tu ganhou? —
ela perguntou, curiosa.
—
Ah, essa é longa... Foi numa briga com meu cachorro e um galho de árvore. Quer
ouvir? — Léo riu, já começando a gesticular.
—
Claro, conta tudo! — Clara se ajeitou no banco, pronta pra história.
— Beleza, então segura aí: eu tinha uns 14 anos, tava correndo no quintal, e o Thor, meu cachorro, resolveu que era uma boa ideia me derrubar. Tentei me segurar num galho da árvore, ele quebrou e me estatelei no chão...
—
Tu caiu por causa do Thor? Que guerreiro, hein! — Clara zoou, mas tava
adorando.
—
Pois é, fui guerreiro de tomar um tombo épico. Mas levantei, e a cicatriz no
joelho tá aí pra provar — Léo mostrou a perna, orgulhoso.
—
Essas histórias são as melhores. Acho que vou começar a contar as minhas também
— ela disse, animada.
—
Faz isso! Cada cicatriz tem uma aventura por trás — ele incentivou, batendo
palma.
—
Sabe, Léo, conversar contigo tá me fazendo sentir mais leve — Clara confessou,
sorrindo de verdade agora.
—
Que bom, porque a gente não veio ao mundo pra carregar peso sozinho — ele
respondeu, simples e sincero.
—
Verdade. Acho que vou até escrever sobre minhas cicatrizes um dia — ela falou,
sonhadora.
—
Escreve mesmo! Quem sabe não vira um livro de uma guerreira? — Léo sugeriu,
empolgado.
—
Boa ideia. E tu vai ter que me ajudar a lembrar das histórias — Clara apontou
pra ele, rindo.
—
Fechado! Vamos ser os guardiões das cicatrizes um do outro — ele disse,
estendendo a mão pra um toque.
—
Guardiões das cicatrizes. Gostei disso — ela bateu na mão dele, selando o
pacto.
—
Então tá, agora somos oficialmente uma dupla de guerreiros — Léo declarou,
levantando como se fosse anunciar pro mundo.
—
Que venham mais cicatrizes, então! — Clara gritou, entrando na brincadeira.
—
Que venham! Porque guerreiro que é guerreiro não foge da luta — ele respondeu,
e os dois riram alto, enquanto o sol se punha atrás deles.
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E
aí, quem tá lendo isso, o que achou da conversa do Léo e da Clara? A ideia toda
gira em torno de transformar algo que a gente costuma ver como defeito — as
cicatrizes, sejam elas na pele ou no coração — em símbolos de força. Não é
sobre ignorar a dor ou fingir que tá tudo bem o tempo todo, mas sobre
reconhecer que cada marca conta uma história de coragem, de quedas e,
principalmente, de levantar de novo.
O
que eu queria passar com esse diálogo é simples: você, que tá aí com 12, 13,
15, 17, 20 ou 25 anos, já é um guerreiro ou uma guerreira, mesmo que não
perceba. Suas cicatrizes, aquelas que todo mundo vê e as que só você sente, são
provas de que você enfrentou batalhas e tá aqui, vivo, respirando, pronto pra
próxima aventura. Elas não te definem como fraco, mas como alguém que
sobreviveu.
Então,
da próxima vez que olhar pra uma marca sua — seja um arranhão antigo ou um peso
que carrega na alma —, tenta enxergar ela como o Léo e a Clara aprenderam: uma
tatuagem da vida, um pedaço da sua história de luta e vitória. Porque, no fim,
ser jovem é isso: cair, ralar o joelho, rir depois e continuar andando. Você é
mais forte do que imagina, e suas cicatrizes são o mapa dessa força.
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