—
Cara, de verdade... Não aguento mais esse papo de gratidão — resmungou Vini,
largado no banco da praça. — Toda hora aparece alguém falando pra agradecer até
pelo copo d'água que bebeu.
Eu
ri. Não era sarcasmo, era aquele riso de quem já pensou a mesma coisa um dia.
—
Sabe que eu também achava isso meio papo de livro de autoajuda, né? — falei,
jogando uma pedra longe. — Até entender que praticar gratidão é tipo cuidar de
um jardim invisível.
Vini
arqueou uma sobrancelha, desconfiado.
—
Jardim invisível?
— É. Imagina que sua vida é um jardim. Cada vez que você agradece de verdade, rega uma plantinha. Só que, se você esquece de regar, as plantas começam a morrer... e, de repente, parece que nada presta, que tá tudo seco.
Ele
deu uma risada, balançando a cabeça.
—
Grande coisa! Meu jardim já virou deserto faz tempo, então.
—
Então começa a regar hoje, mano — insisti. — Gratidão não é só agradecer quando
ganha presente caro, tipo um celular novo. É agradecer por coisa pequena.
Tipo... acordar. Ter um amigo pra zoar. Ter um banco pra sentar nesta praça
fedida.
Vini
olhou em volta, fazendo careta.
—
Banco desconfortável e praça fedida. Ótima coisa pra agradecer.
—
Melhor do que não ter nada — rebati. — Gratidão muda a lente que a gente usa
pra ver o mundo. Você começa a enxergar menos o lixo e mais as flores.
Ele
pegou outra pedra, brincando de mirar na árvore.
—
Tá, mas e quando tudo dá errado? Você quer que eu agradeça quando eu me lasco?
—
É exatamente aí que a gratidão é mais forte — respondi. — Quando a vida te dá
limão azedo, ser grato é o jeito de achar a limonada escondida.
Vini
jogou a pedra no chão, rindo.
—
Pô, você virou poeta agora?
—
Não é poesia, não. É treino. Todo dia, uma coisinha boa. Nem que seja:
"Hoje consegui sobreviver ao professor de física sem dormir." Já é
uma vitória, pô!
Ele
gargalhou.
—
Essa eu agradeço mesmo.
—
A vida não é feita só de grandes eventos — continuei. — É feita desses pequenos
momentos que a gente geralmente ignora.
Vini
ficou pensativo, mexendo na aba do boné.
—
Tá... mas agradecer muda o quê na prática?
—
Muda tudo. Agradecer foca seu cérebro no que é bom, em vez de ficar só remoendo
o que é ruim. É tipo mudar a estação de rádio: sair da FM do
"reclame" e entrar na AM da "resiliência".
—
Nossa... AM? Velho, nem rádio AM existe mais!
—
Exato — ri. — Gratidão é tão rara hoje que virou raridade!
Ele
deu uma risada alta, dessa vez mais leve.
—
Tá, professor. Como é que eu começo esse negócio aí?
—
Começa hoje. Quando chegar em casa, antes de dormir, pensa em três coisas pelas
quais você é grato. Três só. Não precisa escrever em pergaminho nem fazer
ritual com incenso.
—
Só pensar?
—
Só pensar já é bom. Se quiser escrever, melhor ainda. Mas o importante é
sentir. Não adianta fazer lista de supermercado tipo "grato pelo ar, grato
pela água, grato pela pizza". Tem que ser de verdade.
Ele
jogou o boné no colo, olhando para o céu.
—
Tipo... grato por esse céu azul, mesmo com umas nuvens feias?
—
Tipo isso. Porque até as nuvens feias fazem parte do céu bonito.
Vini
respirou fundo, parecendo saborear a ideia.
—
E se eu esquecer um dia?
—
Relaxa. Não é penitência. É treino. Igual academia. Falhou um dia? Volta no
outro. O importante é não abandonar o jardim.
—
Jardim invisível — repetiu ele, sorrindo de canto.
—
Isso aí, mano. Gratidão é o que deixa a vida menos árida e muito mais viva.
Vini
ficou quieto um tempo, como quem está regando uma plantinha mental.
—
Valeu, velho. Eu tava precisando ouvir isso.
—
E eu tava precisando falar. No fim, acho que praticar gratidão também é isso:
ser grato pelas conversas que viram chaves na nossa cabeça.
Ele
levantou-se, ajeitando o boné.
—
Bora, então. Bora praticar essa parada aí.
—
Bora. Um passo de cada vez. E lembra: mesmo que o mundo não mude amanhã, você
segue em frente.
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Se
você chegou até aqui, me conceda mais dois minutinhos: praticar gratidão todos
os dias é mais do que um hábito bonito — é uma estratégia de sobrevivência
emocional. Num mundo que vive gritando que "nada nunca é suficiente",
ser grato é um ato de rebeldia. É você dizendo: "Eu reconheço o que já
tenho, e isso me faz mais forte."
Ninguém
está dizendo para você fingir que a vida é perfeita. Não é sobre tapar os olhos
para os problemas. É sobre perceber que, mesmo nas piores fases, ainda existem
motivos para sorrir. Talvez seja uma música que tocou no fone, um abraço de
alguém que você ama, ou até o fato de ter conseguido levantar da cama num dia
difícil. Cada pequena vitória conta.
Então,
se hoje você quiser começar a mudar seu jeito de olhar para a vida, já sabe:
pratique gratidão. Todos os dias. Sem pressão, sem mágica, sem receita pronta.
Só com o coração aberto e a vontade real de ver flores nascendo no seu próprio
jardim. Quem sabe amanhã você não inspire alguém a cuidar do seu jardim
invisível também?
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