Júlia e Davi caminhavam
na beira do lago, que fica na praça central da cidade, conversando e observando
algumas pessoas sentadas nos bancos próximos e algumas crianças andando nos
pedalinhos dentro d´água.
—
Sabe o que me irrita? — perguntou Davi, jogando uma pedra no lago.
—
Muita coisa — respondeu Júlia, rindo. — Mas, dessa vez, o que foi?
—
Minha cabeça não para. Fico remoendo coisas que nem aconteceram. Crio mil
cenários de desgraça antes de dar o primeiro passo. É como se eu estivesse me
sabotando o tempo todo.
— Ah, os famosos grilos na cabeça… a gente passa tempo demais alimentando grilos na cabeça e esquece de colecionar borboletas no estômago.
—
Como assim? Essa é uma metáfora bonita, mas o que você quer dizer com isso?
—
Simples. Os grilos são preocupações, dúvidas, aquela voz na nossa mente que
sempre diz: "e se der errado?", "será que vou conseguir?".
—
Ah... entendi. E as borboletas?
—
As borboletas são as emoções, aquele frio na barriga, aquela expectativa boa.
Sabe aquele sentimento de estar prestes a viver algo incrível?
—
Tipo quando a gente se apaixona e fica perto da pessoa amada, sem ela saber que estou apaixonado por ela? Aquela sensação
estranha, mas gostosa ao mesmo tempo?
—
Exato! Então, em vez de ficar alimentando essas preocupações, comece a se
concentrar no que te faz sentir vivo. Já reparou como a gente perde tempo
sofrendo por antecipação, ao invés de se jogar naquilo que pode realmente nos
transformar?
—
Fácil falar, né? Mas e quando as coisas dão errado de verdade?
—
Então você levanta, aprende e segue. Mas pelo menos viveu. Sentiu.
Experimentou. Davi, pensar demais antes de agir é como travar o próprio jogo
antes mesmo de dar play.
Davi ficou em silêncio por alguns segundos, observando os reflexos do sol na água. Depois suspirou.
—
Acho que fui treinado a sempre esperar o pior.
—
A maioria de nós foi. Mas quer saber? Esse medo constante só nos impede de ver
as possibilidades boas. O futuro não é um monstro debaixo da cama. Ele é um
campo aberto, pronto para ser explorado.
—
Mas e se eu tropeçar?
—
Vai tropeçar. Isso é inevitável. Mas também vai ter momentos incríveis. Só que,
pra isso, você precisa sair dessa gaiola mental.
—
Tá dizendo que eu sou um prisioneiro da minha própria cabeça?
—
Basicamente. Mas a chave tá na sua mão. O problema é que você passa mais tempo
analisando a chave do que usando ela pra abrir a porta.
Davi
riu, balançando a cabeça.
—
E como eu faço isso na prática?
—
Começa pequeno. Aceita que o frio na barriga faz parte. Ele não é um alerta de
perigo, é um sinal de que algo novo tá acontecendo. E o novo assusta mesmo. Mas
também é o que move a vida.
—
Tá falando pra eu agir mesmo com medo?
—
Sim. O medo não some. Você só precisa aprender a fazê-lo andar do seu lado, em vez de te
paralisar.
—
Parece coisa de livro de autoajuda.
—
E daí? Se funciona, por que não tentar? O que é pior: fracassar tentando ou
nunca nem tentar?
—
Depende do fracasso.
—
Ah, Davi! — Júlia revirou os olhos. — Olha pra trás. Lembra de alguma coisa que
te assustava muito e que, hoje, você vê como bobeira?
Davi
ficou pensativo. Lembrou-se da primeira vez que subiu num palco para apresentar
um trabalho na escola. Do pânico que sentiu. No fim, sobreviveu. E, anos
depois, apresentou algo na faculdade sem nem pensar duas vezes.
—
Muitas coisas, pra ser sincero.
—
Então! Tá vendo como o medo de hoje pode ser a experiência tranquila de amanhã?
O segredo é agir apesar dele.
—
Mas e se eu me arrepender?
—
O que pesa mais: o arrependimento de errar ou o arrependimento de nunca ter
tentado?
Davi
olhou para o céu, absorvendo cada palavra. Por que ele sempre esperava um sinal
claro de que era a hora certa? Talvez nunca houvesse uma hora certa. Talvez
fosse ele quem tinha que decidir isso.
—
Tá bom. Vou tentar pensar mais como você.
—
Errado. Não pense como eu. Pense como você, mas uma versão sua que não deixa os
grilos dominarem a mente.
—
Então eu preciso treinar minha mente pra se livrar dos grilos?
—
Exatamente! Deixa só os que valem a pena. Preocupação demais sufoca. Medo
demais paralisa. Se for pra sentir alguma coisa, que seja aquele friozinho bom
de quando algo incrível está prestes a acontecer.
—
Nunca pensei desse jeito…
—
Pois pense. Se permitir viver de verdade é o primeiro passo.
Davi
sorriu. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que talvez estivesse segurando
as rédeas da própria vida.
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Se
você chegou até aqui, é porque, no fundo, sabe que precisa silenciar os grilos
e fazer espaço para mais borboletas no seu dia a dia. O medo é natural, mas não
pode ser um muro que te impede de ver o que existe do outro lado.
A
verdade é que não há garantias de que tudo vai dar certo. Mas há uma certeza:
se você nunca tentar, nunca vai saber o que poderia ter acontecido. Escolha o
risco de sentir o frio na barriga em vez da frustração de nunca ter tentado.
A
vida não espera. Ela acontece. E você? Tá pronto pra sentir mais borboletas no
estômago? Ou quer continuar escutando os grilos?
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