— Professor Daniel, posso fazer uma pergunta meio… estranha? — disse Lara, enquanto ajeitava a mochila no ombro e olhava, curiosa, para o mural da sala.
— Estranha não existe. Só existe o que a gente ainda não entendeu — respondeu ele, com um sorriso de quem já ouviu de tudo.
— Por que chamam a Sexta-feira Santa de "santa"? Não parece meio... contraditório? Foi o dia em que Jesus morreu, né?
Os colegas se entreolharam. Alguns fizeram que sim com a cabeça; outros franziram a testa, esperando pela resposta.
— Ótima pergunta — começou Daniel, o professor de Teologia, que mais parecia um amigo mais velho do que um mestre. — E vocês sabem o que é mais interessante? É exatamente isso que torna essa sexta-feira tão especial.
— Mas especial por quê? — perguntou Lucas, que sempre era o primeiro a questionar tudo. — Tipo, se a gente perde alguém querido, esse dia vira triste, não especial.
— Exato. E é aí que mora o ponto. A Sexta-feira Santa é triste, sim. Ela não veio para ser alegre. Mas é sagrada porque nos lembra o quanto dor e propósito podem andar juntos.
— Dor e propósito? Tá puxado pra uma sexta, hein — brincou João, arrancando risos do grupo.
— Nem toda dor é vazia, João — disse Daniel, com um tom mais sério agora. — Às vezes, ela abre portas que o conforto não tem coragem de tocar.
Silêncio. Todos ficaram meio calados, como se a fala tivesse batido num lugar sensível dentro deles.
— Mas e daí? Jesus morreu, beleza... mas o que isso muda na minha vida hoje? — questionou Marina, com uma sinceridade que só ela tinha.
— Muda tudo, Marina — respondeu Daniel, fitando cada um nos olhos. — A história da Sexta-feira Santa é a história de alguém que escolheu o sacrifício em vez da fuga. Que preferiu o certo ao fácil. Que ficou quando podia ter desistido.
— Tipo quando a gente pensa em largar tudo e fugir das responsabilidades? — perguntou Tiago, meio que falando de si.
— Exatamente. Quem aqui nunca pensou em jogar tudo para o alto?
Mãos se ergueram. Olhares se desviaram. Era como se todos tivessem se reconhecido naquela pergunta.
— E aí entra o valor desse dia — continuou Daniel. — Ele mostra que, mesmo quando tudo parece perdido, ainda existe sentido em continuar. Que a dor não precisa ser o ponto final.
— Tá, mas... e se eu não sou religiosa? Isso serve pra mim também? — perguntou Ana, cruzando os braços.
— Claro que sim. A Sexta-feira Santa não é sobre virar santo. É sobre entender que a vida exige coragem. Que existir machuca, mas resistir é uma escolha poderosa.
— Isso é tipo... transformar a dor em força? — disse Lara, devagar.
— É isso, Lara. Transformar a dor em ponte, não em prisão.
— E tem gente que só vê o lado religioso, né? — comentou Lucas. — Não percebe que tem lição de vida aí também.
— Sim. Porque, às vezes, é mais fácil colocar tudo numa caixinha: “Ah, isso é coisa de igreja.” Mas a cruz não foi só símbolo religioso. Foi um símbolo de resistência, de entrega, de sacrifício em nome de algo maior.
— Como quando a gente luta por alguém que ama, mesmo cansado?
— Perfeito, João. Amar também dói. Mas a dor que vem do amor é diferente da dor do arrependimento.
— Nossa, isso mexe... — disse Marina, mais quieta agora.
Daniel parou por alguns segundos. Deu um passo à frente e se sentou no degrau do tablado da sala — bem no estilo de quem queria conversar, não pregar.
— Vocês estão numa fase da vida em que tudo parece instável, né? Decisões, futuro, medos, cobranças...
— É, isso aí — respondeu Tiago, sem hesitar.
— E, nessas horas, lembrar do que esse dia significa pode ajudar. Porque a história da cruz também é a história de alguém que se sentiu abandonado, injustiçado, incompreendido... mas que, ainda assim, não desistiu de ser quem era.
— Cara, isso é muito real — disse Ana, com um olhar mais pensativo. — Parece até que foi escrito pra agora.
— Porque foi. A dor de Jesus naquela sexta-feira é a dor de todo mundo que já se sentiu sozinho no meio da multidão. De todo jovem que já pensou em desistir. De toda alma que já chorou escondida.
— Professor... agora faz sentido — sussurrou Lara, com um tom quase emocionado. — A dor dele representa a nossa, né?
— Representa. E, mais do que isso, mostra que até nos dias mais escuros existe esperança. A sexta foi de dor. Mas o domingo foi de renascimento.
— Tipo uma fase ruim que passa — disse Lucas.
— Isso. Toda cruz tem um depois. Toda sexta escura tem um amanhecer.
Silêncio de novo. Mas, dessa vez, um silêncio leve — como se todos estivessem digerindo algo importante.
— Então, professor... a gente pode dizer que a Sexta-feira Santa é tipo um lembrete? — perguntou João.
— Sim, João. Um lembrete de que a dor faz parte da jornada. Mas não precisa ser o fim dela.
— Isso é... inspirador — disse Marina. — Dá vontade de enfrentar as coisas com mais firmeza.
— E com mais coração — completou Lara.
Daniel sorriu. Levantou-se devagar e, olhando para cada rosto à sua frente, finalizou:
— A cruz não é um ponto final. É uma vírgula. É só o silêncio antes do recomeço. E vocês, todos vocês, vão passar por muitas sextas-feiras na vida. Mas lembrem-se sempre: o domingo vem.
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A conversa entre o grupo de jovens e o professor Daniel é um mergulho na essência da Sexta-feira Santa — não apenas como data religiosa, mas como símbolo de resistência emocional e mental. É o tipo de diálogo que provoca reflexão e faz cada um se enxergar dentro de suas próprias batalhas internas.
O professor não tenta convencer ninguém a seguir uma religião. O que ele faz é mais profundo: mostra que a dor tem propósito, que o sacrifício tem valor e que cada momento de angústia pode nos preparar para um renascimento. Ele inspira os jovens a enfrentarem a vida com mais coragem e consciência.
A moral da conversa é clara: a Sexta-feira Santa não é só sobre um homem na cruz — é sobre todos nós. Sobre os dias em que sentimos que não aguentamos mais, mas ainda assim seguimos. Sobre a força silenciosa de continuar, mesmo quando o mundo parece desabar. Porque, no fim, sempre existe um domingo à nossa espera.
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