Noite
de sexta-feira, em uma sala de estar aconchegante. O pai, João, está sentado no
sofá, com um copo de café na mão. Seus filhos, Lucas (16 anos), Mariana (15
anos) e Sofia (17 anos), estão espalhados pela sala, mexendo nos celulares. O
clima está meio leve, mas João parece querer falar algo sério.
—
Crianças, bora desligar esses celulares um minutinho? Quero contar uma história
para vocês. É meio pesada, mas acho que vale a pena ouvir.
Lucas
solta um suspiro, mas guarda o celular.
—
Tá, pai. É tipo história de terror ou o quê?
Mariana
dá um sorriso.
—
Se for pra falar de fantasmas, eu já tô fora!
Sofia
revira os olhos.
—
Relaxa, Mari. Deve ser mais um daqueles papos de “façam a coisa certa”. Né,
pai?
— É mais ou menos por aí, Sofia. Mas escutem, porque isso é sobre escolhas. Escolhas que a gente faz e acha que não vão dar em nada, mas... às vezes, mudam tudo.
—
Tipo o quê? Alguém fez burrada? — pergunta Lucas.
—
Vamos dizer que sim. Era uma menina, mais ou menos da idade de vocês. Ela
queria curtir uma noite com os amigos. Sabe, festa, pizza, música alta... coisa
que todo mundo quer, né?
—
Isso é vida! Uma festinha com os amigos, ninguém resiste. — anima-se Mariana.
—
Tô sentindo que essa história não vai acabar bem. Ela fez algo errado, né? —
pergunta Sofia.
—
Ela sabia que os pais não iam deixar. Então, o que ela fez? Mentiu. Disse que
ia ao cinema com uma amiga e que voltaria cedo.
Lucas
dá uma risada.
—
Mano, quem nunca? Uma mentirinha de leve pra curtir, qual é o problema?
—
Sério, pai, é só uma mentirinha. Não mata ninguém. — comenta Sofia, com um
olhar meio irritado.
—
Não mata, é? Bom, deixa eu continuar. A menina foi para a festa. Estava tudo
perfeito: amigos, risadas, pizza... Até que um dos caras, que já estava meio
bêbado, resolveu que queria dar uma volta de carro.
—
Ai, não. Tô vendo aonde isso vai. Ela entrou no carro, né? — fala Sofia, já
prevendo o desfecho da história.
—
Entrou. Mesmo sentindo aquele frio na espinha, sabe? Aquela voz na cabeça
dizendo: “Não vai, isso não está certo.” Mas os amigos zoaram, falaram que ela
era careta... e ela acabou cedendo.
Lucas
coça a cabeça, concordando com a situação.
—
Mano, pressão de grupo é osso. Às vezes, você vai só pra não ser o chato da
história.
—
É, mas entrar num carro com um cara bêbado? Isso é burrice, né? — Mariana fala
mais alto.
—
Pois é, Mari. E as coisas pioraram. O cara começou a dirigir como louco,
acelerando, fazendo graça. Ela pediu para ele parar, disse que queria ir para
casa, mas ele só ficou bravo e acelerou ainda mais.
—
Meu Deus, que medo! E ela não pulou do carro? — diz Sofia, com uma expressão de
espanto.
—
Não, Sofia. Ela estava com medo, chorando, pedindo para ele ir devagar. Mas ele
fez que não ouviu. E então... — faz uma pausa — ela viu um clarão. Um barulho
horrível. E tudo ficou preto.
Lucas
engole em seco.
—
Caramba, pai. Foi um acidente?
—
Foi. Um acidente feio. Quando ela abriu os olhos, estava no meio de sirenes,
luzes piscando, gente correndo. O carro estava destruído. Outro carro, mais à
frente, também. Ela sentiu alguém puxando-a dos destroços, mas depois... apagou
de novo.
—
Ela... sobreviveu? — pergunta Mariana, em voz baixa.
—
Chegou ao hospital, toda quebrada. O corpo doía, mas a alma doía mais. O médico
disse que ela provavelmente não iria resistir. E aí, ela perguntou, com a voz
fraca: “E as pessoas do outro carro? E o cara que estava dirigindo? Os meus amigos?”
—
Não me diz que... — Sofia, com os olhos marejados, mal conseguiu balbuciar
algumas palavras.
—
O médico disse que o cara que dirigia morreu na hora. As pessoas que estavam com ela e o casal que estava no outro
carro... também não sobreviveram.
—
Mano, que loucura. Ela deve ter ficado arrasada. — comenta Lucas, mostrando-se
chocado.
—
Ela ficou. Chorando, pediu perdão a Deus, disse que só queria uma noite de
diversão. E pediu para a enfermeira dizer à família dos ocupantes do outro
carro que ela sentia muito. E, para os pais dela, que se arrependia de ter
mentido. Que os amava. Logo em seguida, a menina entrou em sono profundo, sem
volta.
Mariana,
já com a voz embargada:
—
Isso é tão triste, pai. A enfermeira fez isso? Passou o recado?
João
faz uma pausa longa, olhando para os filhos.
—
A enfermeira não disse nada. Só baixou a cabeça, com os olhos cheios de
lágrimas, e saiu da sala. Seu supervisor, que estava ali, foi até ela e disse
que fosse até a sala de espera dar a notícia e o recado para os pais da menina,
pois deviam estar muito aflitos. E aí, ela explicou que não podia fazer isso —
principalmente dar o recado.
—
Por quê? Era o último pedido dela! — perguntou Sofia, já se mostrando
impaciente.
João,
com a voz embargada, respondeu:
—
Porque as pessoas que morreram no outro carro... eram os pais dela.
—
QUÊ?! Sério, pai? Os pais dela? — gritou Lucas, incrédulo.
—
Não, não pode ser... Eles morreram por causa da mentira dela? — disse Mariana,
já chorando.
—
Eles não estavam em casa, bravos, como ela achava. Estavam na rua, procurando
por ela, preocupados. E aí... aconteceu.
—
Isso é horrível. Uma mentirinha boba acabou com tudo. — foi a vez de Sofia
enxugar as lágrimas.
—
É, crianças. Às vezes, a gente acha que é só uma mentirinha, que não vai fazer
mal. Mas uma escolha errada, uma noite... pode mudar tudo. Não só para você,
mas para as pessoas que te amam.
—
Mano, isso dá um peso. Tipo, eu já falei umas mentirinhas pra ir pra festa,
mas... nunca pensei que podia dar numa coisa assim. — Lucas assume que já
praticou algumas mentiras.
—
Eu também, pai. Às vezes, a gente só quer curtir, mas... agora eu tô com medo
de fazer isso. — Mariana também admitiu que já mentiu.
Sofia,
um pouco mais séria:
—
Pai, a gente promete ser mais honesto. Não quero nunca passar por algo assim,
nem fazer vocês passarem.
—
É isso que eu quero ouvir. Não é sobre nunca se divertir, tá? É sobre pensar
nas escolhas, ouvir aquela voz na cabeça que avisa quando algo não está certo.
E, principalmente, lembrar que a gente nunca está sozinho nas consequências. E,
infelizmente, essa jovem foi vítima de sua própria mentira. Não teve tempo de
pedir perdão aos seus pais, mas com certeza eles a perdoaram. É assim que são
os pais.
—
Tô ligado, pai. Vou pensar duas vezes antes de inventar alguma história. —
concordou Lucas.
—
Eu também. E, tipo, se eu quiser sair, vou te contar direitinho. Prometo. —
Mariana concordou com o irmão.
Sofia
se levanta e abraça o pai.
—
A gente te ama, pai. Não quero nunca te deixar preocupado assim.
— E eu amo vocês. Só quero que cresçam sabendo que a verdade, mesmo que doa, é sempre o melhor caminho. E saibam, sempre que precisarem voltar para casa, depois de uma festa, a hora que for, basta ligar que o pai vai buscar.
— E se por algum motivo você não pode ir, dormimos lá ou viemos a pé? — Brincou Sofia.
— Vocês sabem que temos aquele nosso amigo taxista de confiança. Se for o caso, antes de ir para a festa, já liguem para ele e combinem o horário da volta. Nunca peguem carona de alguém que não conheçam ou de um amigo que estava bebendo na festa. Eu prefiro gastar com táxi do que... vocês entenderam.
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Essa
conversa entre pai e filhos pode parecer simples, mas carrega um peso enorme. É
uma adaptação de uma história originalmente psicografada por Chico Xavier,
chamada “Uma mentirinha de nada…”. Ao transformar essa narrativa tão forte em
um bate-papo de família, o objetivo foi justamente trazer a mensagem para mais
perto da realidade dos adolescentes — com a linguagem que eles usam, com as
dúvidas que eles vivem, com as situações que realmente enfrentam.
Em
vez de uma história distante, com personagens anônimos, procurei colocar a mensagem na
sala de estar, entre um pai que se preocupa e filhos que, como tantos outros,
estão aprendendo a viver, a escolher, a errar e, principalmente, a ouvir.
O
impacto dessa história não está só no desfecho trágico, mas na reflexão que ela
desperta: o quanto uma decisão aparentemente pequena — uma mentirinha, um
"só hoje", um "ninguém vai saber" — pode mudar
completamente o rumo das coisas. E o quanto isso pode machucar justamente quem
mais nos ama.
A
conversa mostra que não se trata de proibir a diversão ou impor medo, mas de
convidar à consciência. Fala sobre escutar aquela voz interior que, no fundo, a
gente sempre ouve quando algo não parece certo. E sobre lembrar que nossas
escolhas, por mais individuais que pareçam, quase nunca afetam só a gente.
Inspirado
na sensibilidade das mensagens de Chico Xavier, esse diálogo tenta tocar o
coração dos jovens — e também dos pais. Mostra que uma conversa sincera pode,
sim, fazer diferença. Pode ser o empurrãozinho que faltava para repensar
atitudes, para valorizar a verdade, para construir confiança dentro de casa.
Essa
adaptação surgiu da vontade de falar com os jovens de hoje do jeito que eles
entendem — direto, verdadeiro, próximo. Espero, de coração, que tenha
conseguido isso. Porque, às vezes, uma simples conversa pode evitar que uma
“mentirinha de nada” se transforme em algo que ninguém queria viver: uma dor para sempre.
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