—
Tá vendo aquilo ali? — perguntei, apontando pro muro rabiscado perto da escola.
—
Tô, ué. Um monte de pichação e um cachorro mijando. O que tem?
—
Então… é aí que tá. Você olhou. Mas você viu?
—
Não. Mas podia ser. A questão é que muita gente passa pelos lugares, pelas
pessoas, pelos dias... mas quase ninguém vê de verdade o que tá diante do
próprio nariz.
—
Tá, mas ver o quê? Um muro sujo?
— Não é só o muro. É o que ele carrega. Cada rabisco ali tem uma história. Aquele “Tati & Luan 4ever” provavelmente já acabou. A assinatura “ZK-22” pode ser de um moleque que só queria que alguém notasse que ele existe. E o cachorro... bem, ele só precisava fazer xixi mesmo.
—
Tu tá viajando, mano...
—
Talvez. Mas olha só: quantas vezes a gente cruza com alguém na escola e nem
percebe que a pessoa tá triste só porque ela sorriu? A gente olha, mas não vê.
—
Tipo quando a professora pergunta se tá tudo bem e você responde “tá sim”,
mesmo querendo sumir?
—
Exato. Ou quando seu melhor amigo tá mais quieto, e você só pensa que ele tá de
mau humor... sem nem perguntar o que rolou.
—
Eu já fiz isso. Com o Caio. Depois descobri que o pai dele tinha sido
internado, e eu nem percebi nada.
—
Viu? A gente vive num modo automático. Olha tudo, vê nada. Tá todo mundo tão
preso na própria correria, nos próprios problemas, que passa batido pelas dores
— e até pelas alegrias — dos outros.
—
E como é que a gente aprende a ver?
—
Primeiro, desacelerando. Prestando atenção. Se você olhar com calma, vê sinais
em todo canto. Um olhar mais apagado, uma mudança de voz... até o jeito da
pessoa andar diferente já diz muita coisa.
—
É tipo… aprender a ler as entrelinhas da vida?
—
Isso! As entrelinhas são onde mora a verdade. E isso serve pra tudo. Pra
entender as pessoas, pra enxergar oportunidades, pra não cair em cilada.
—
E se eu errar? Se eu achar que vi algo e for só nóia da minha cabeça?
—
Acontece. Mas ver não é julgar. É perceber. É se importar o suficiente pra
perguntar: “Ei, tá tudo bem mesmo?” E ouvir a resposta de verdade, não só por
educação.
—
Caraca, isso dá um nó na cabeça.
—
Dá mesmo. Porque enxergar de verdade exige coragem. Exige sair do próprio
mundinho. E, convenhamos, é mais fácil só olhar e seguir o jogo.
—
Mas tu sempre foi assim? Sempre viu tudo?
—
Que nada. Já deixei passar muita coisa. Já fui o amigo ausente, o irmão
distraído, o aluno que achava que só ele tinha problema no mundo. Um dia, a
vida me sacudiu. Me mostrou que, enquanto eu tava olhando só pro espelho, o
mundo ao meu redor tava desmoronando em silêncio.
—
Que pancada...
—
Foi. Mas foi o que me acordou. Hoje eu tento ver. Ainda erro. Ainda passo
batido às vezes. Mas tento. Porque aprendi que tem gente que só precisa ser
vista. Não julgada, não consertada. Só enxergada como ser humano.
—
Tipo quando você nota que alguém tá tremendo a perna de nervoso e segura a mão
dela sem dizer nada?
—
Isso. Pequenos gestos. Eles valem muito. Mas só acontecem quando você tá
atento. Quando você vê.
—
Cara… acho que eu entendi. E talvez eu precise prestar mais atenção. Até em mim
mesmo, sabe?
—
Sim. Ver a si mesmo também é raro. Tem gente que olha no espelho e só vê
defeito. Mas não enxerga a força que tem por trás de tudo o que já aguentou
calado. Ou então se olha no espelho, se acha bonito, bem arrumado, e não
percebe que seu mundo precisa de atenção, que as coisas ao seu redor estão
desmoronando.
—
Me arrepiei agora, cê acredita?
—
Acredito. Porque, às vezes, a gente precisa de uma conversa besta num banco da
escola pra abrir os olhos de verdade.
—
E tu acha que dá pra treinar esse “ver”?
—
Com certeza. Começa prestando atenção nas pessoas ao seu redor. Escutando mais.
Olhando nos olhos e não para os lados quando está conversando com alguém. . E também parando um pouco pra ver a si mesmo com mais
gentileza.
—
Tá. Mas e se ninguém fizer isso comigo?
—
Então seja você o primeiro. Quem vê, ensina outros a ver também. É assim que as
coisas mudam.
—
Pior que tu tem razão. Meio chato admitir isso, mas tem.
—
Relaxa, tem muita gente assim, que olha, mas não vê.
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A
maioria das pessoas vive como quem assiste a um filme pela metade e acha que
entendeu tudo. Elas olham, mas não veem. E isso faz toda a diferença. Quando
você começa a enxergar de verdade, começa a se conectar mais com o mundo, com
as pessoas e consigo mesmo. As relações ficam mais humanas, mais leves. A vida
ganha um outro tom.
“Olhos
que olham são comuns. Olhos que veem são raros.” Essa frase não é só bonita —
ela é um alerta. Um convite para você sair do modo automático e prestar atenção
na vida de verdade. Na sua, na dos outros, no que importa de fato. A diferença
entre um dia comum e um dia inesquecível pode estar num detalhe que só quem vê
é capaz de notar.
Se
esse texto fez sentido para você, se alguma parte bateu aí dentro… compartilha.
Pode ser que alguém esteja precisando ler exatamente isso agora. E, às vezes,
só de “ver” um post com carinho, a gente muda o dia de alguém. Ou até a vida.
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