sexta-feira, 17 de novembro de 2023

É melhor dar valor hoje, pois a saudade não traz ninguém de volta.


— Sabe quando uma frase bate mais forte, que chega a machucar? — perguntou Ana, mexendo no cadarço do tênis. — Li uma hoje no Instagram e fiquei muito pensativa: “É melhor dar valor hoje, porque a saudade não traz ninguém de volta.”

— Nossa... — Lucas fez uma careta. — Essa é daquelas como se a gente levasse um soco no peito, né? A gente acha que entende o significado, mas só vai entender de verdade quando perde alguém.

— Pois é. — Ela sorriu sem graça. — No início, achei que era só papo bonito de internet... até que minha avó foi embora. Aí entendi, realmente, o que é de verdade sentir falta de alguém.

— Sei bem como é isso. Quando minha mãe faleceu, o mundo, pra mim, parece que entrou no modo silêncio. E esse silêncio me fez ficar lembrando que poderia ter ido mais vezes visitá-la, ter ficado um pouco mais, ter dito mais vezes que a amava. Mas a gente sempre acha que vai ter “depois”.

— E o depois nunca chega. — Ana suspirou. — A rotina é uma inimiga, ela engole a gente, sabe? Quando vemos, o “até logo” se transforma em “adeus”, e a vida segue fingindo que nada aconteceu, que amanhã tudo voltará a ser como era antes.

— É... — ele olhou pro chão, chutando uma pedrinha. — A gente corre tanto na busca do tempo, mas o tempo é quem corre mais do que a gente.

— Às vezes, parece, que ainda ouço a voz da minha avó, acredita? O barulho do café sendo passado no bule, ela reclamando da vida dura e logo depois dando uma gargalhada gostosa. É estranho... parece que o som da voz dela ficou preso dentro da casa, ou da minha cabeça, não sei direito.

— Isso normalmente acontece comigo também. — disse ele, num tom mais baixo. — Às vezes, tenho sonhos com a minha mãe. Parece ser tão real... que quando acordo, demoro pra lembrar que ela não tá mais aqui entre nós.

— É cruel isso, né? A saudade parece um fantasma bom, tipo Gasparzinho... não assusta, mas assombra.

— É. E o pior é que a gente tenta segurar, mas não consegue. É tipo tentar segurar água com as mãos.

— E não adianta, por mais que se tente fechar as mãos, mais escapa. — completou Ana, olhando pro horizonte. — A saudade tem dessas coisas… quanto mais a gente tenta evitar, mais ela teima em aparecer.

— E mesmo assim, eu acho bom sentir saudade. — disse ele, meio sem jeito. — Porque sentir saudade é sinal de que alguém marcou a vida da gente.

— É, é tipo o preço que a gente paga por ter amado de verdade.

— Minha mãe costumava dizer: “A saudade só existe pra quem viveu algo bom. Saudade, sim. Tristeza, não!”

— Sua mãe entendia das coisas, hein?

— Com certeza. E se ela pudesse falar comigo agora, provavelmente diria pra eu parar de sofrer e viver de um jeito que a deixasse orgulhosa.

— Acho que minha avó falaria o mesmo. Ela odiava me ver triste. Sempre dizia que quem parte quer ver a gente bem, não chorando pelos cantos.

— Difícil, né? Dizer é fácil. Mas será que existe algum manual que nos ensine a sorrir quando o coração pesa e a saudade aperta?

— Se existe eu não sei, mas a gente tem que tentar. Um sorriso por vez. Um dia de cada vez.

— E com o tempo passando, a dor da saudade vai virando lembrança, e a lembrança vai ficando mais leve, como se acariciasse nosso coração.

— Leve, mas nunca vazia. É tipo carregar um amor que apenas mudou de lugar.

— Nossa... bonito isso. “Um amor que mudou de lugar.”

— É, porque o amor, o verdadeiro, não morre. Ele só muda de endereço.

— Minha avó dizia isso também! Que as pessoas não morrem, elas só se mudam para uma casa um pouco mais longe.

— Então deve ser verdade. — Lucas riu. — Pelo menos eu gosto de pensar assim… que a minha mãe tá num lugar bonito, tomando café com a mãe de alguém ou até mesmo trocando receita com sua vó.

— É bom imaginar assim. Tira um pouco do peso.

— É. E faz a gente lembrar que viver é meio urgente, né? Não dá pra deixar pra amanhã.

— Urgente demais. Normalmente ficamos esperando o “momento certo” pra dizer as coisas, e quando percebemos… o tempo já levou.

— Pois é. E aí sobra o silêncio. E o silêncio, às vezes, é ensurdecedor.

— O silêncio e a saudade. — completou ela. — Mas eu tô tentando mudar isso. Tenho dito “eu te amo” mais seguido, distribuído mais abraços, mandado mensagens sem motivos.

— Isso é bom. A gente devia fazer isso muito mais vezes. Valorizar enquanto dá tempo, aproveitar mais o tempo.

— É… viver de um jeito que, quando a saudade vier, ela encontre um coração em paz.

— E não um coração cheio de “e se...”.

— É isso. A saudade vai doer de qualquer jeito, mas pelo menos vai doer com gratidão, não com arrependimento.

— Bonito isso. — Ele sorriu. — Acho que é assim que a gente transforma a dor em lembrança boa.

— E a lembrança boa, com força pra seguir em frente.

— Exatamente. E seguir… é o maior “obrigado” que a gente pode dar pra quem já se foi.

-------------------

A saudade é um amor que ficou sem endereço fixo. Dói, aperta, e às vezes até revolta. Mas também é prova de que alguém viveu dentro do coração da gente — e continua vivendo, mesmo estando longe.

Valorizar o hoje é o jeito mais bonito de agradecer pelo ontem. É dizer “eu te amo” enquanto dá tempo, é criar memórias felizes das pessoas que amamos, não feridas abertas.

E quando a saudade vier, que ela traga mais sorrisos do que lágrimas. Porque quem partiu continua aqui — não no corpo, mas no que deixou: amor, cheiro, voz, lembrança. E isso… é pra sempre.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

POSTAGENS MAIS LIDAS NA SEMANA