— Sabe quando uma frase bate mais forte, que chega a machucar? — perguntou Ana, mexendo no cadarço do tênis. — Li uma hoje no Instagram e fiquei muito pensativa: “É melhor dar valor hoje, porque a saudade não traz ninguém de volta.”
— Nossa... —
Lucas fez uma careta. — Essa é daquelas como se a gente levasse um soco no
peito, né? A gente acha que entende o significado, mas só vai entender de
verdade quando perde alguém.
— Pois é. — Ela sorriu sem graça. — No início, achei que era só papo bonito de internet... até que minha avó foi embora. Aí entendi, realmente, o que é de verdade sentir falta de alguém.
— Sei bem
como é isso. Quando minha mãe faleceu, o mundo, pra mim, parece que entrou no
modo silêncio. E esse silêncio me fez ficar lembrando que poderia ter ido mais
vezes visitá-la, ter ficado um pouco mais, ter dito mais vezes que a amava. Mas
a gente sempre acha que vai ter “depois”.
— E o depois
nunca chega. — Ana suspirou. — A rotina é uma inimiga, ela engole a gente,
sabe? Quando vemos, o “até logo” se transforma em “adeus”, e a vida segue
fingindo que nada aconteceu, que amanhã tudo voltará a ser como era antes.
— É... — ele
olhou pro chão, chutando uma pedrinha. — A gente corre tanto na busca do tempo,
mas o tempo é quem corre mais do que a gente.
— Às vezes,
parece, que ainda ouço a voz da minha avó, acredita? O barulho do café sendo
passado no bule, ela reclamando da vida dura e logo depois dando uma gargalhada gostosa.
É estranho... parece que o som da voz dela ficou preso dentro da casa, ou da
minha cabeça, não sei direito.
— Isso normalmente
acontece comigo também. — disse ele, num tom mais baixo. — Às vezes, tenho
sonhos com a minha mãe. Parece ser tão real... que quando acordo, demoro pra
lembrar que ela não tá mais aqui entre nós.
— É cruel
isso, né? A saudade parece um fantasma bom, tipo Gasparzinho... não assusta,
mas assombra.
— É. E o
pior é que a gente tenta segurar, mas não consegue. É tipo tentar segurar água
com as mãos.
— E não
adianta, por mais que se tente fechar as mãos, mais escapa. — completou Ana,
olhando pro horizonte. — A saudade tem dessas coisas… quanto mais a gente tenta
evitar, mais ela teima em aparecer.
— E mesmo
assim, eu acho bom sentir saudade. — disse ele, meio sem jeito. — Porque sentir
saudade é sinal de que alguém marcou a vida da gente.
— É, é tipo
o preço que a gente paga por ter amado de verdade.
— Minha mãe costumava
dizer: “A saudade só existe pra quem viveu algo bom. Saudade, sim. Tristeza,
não!”
— Sua mãe entendia
das coisas, hein?
— Com
certeza. E se ela pudesse falar comigo agora, provavelmente diria pra eu parar
de sofrer e viver de um jeito que a deixasse orgulhosa.
— Acho que
minha avó falaria o mesmo. Ela odiava me ver triste. Sempre dizia que quem
parte quer ver a gente bem, não chorando pelos cantos.
— Difícil,
né? Dizer é fácil. Mas será que existe algum manual que nos ensine a sorrir
quando o coração pesa e a saudade aperta?
— Se existe
eu não sei, mas a gente tem que tentar. Um sorriso por vez. Um dia de cada vez.
— E com o
tempo passando, a dor da saudade vai virando lembrança, e a lembrança vai
ficando mais leve, como se acariciasse nosso coração.
— Leve, mas
nunca vazia. É tipo carregar um amor que apenas mudou de lugar.
— Nossa...
bonito isso. “Um amor que mudou de lugar.”
— É, porque
o amor, o verdadeiro, não morre. Ele só muda de endereço.
— Minha avó
dizia isso também! Que as pessoas não morrem, elas só se mudam para uma casa um
pouco mais longe.
— Então deve
ser verdade. — Lucas riu. — Pelo menos eu gosto de pensar assim… que a minha
mãe tá num lugar bonito, tomando café com a mãe de alguém ou até mesmo trocando
receita com sua vó.
— É bom
imaginar assim. Tira um pouco do peso.
— É. E faz a
gente lembrar que viver é meio urgente, né? Não dá pra deixar pra amanhã.
— Urgente
demais. Normalmente ficamos esperando o “momento certo” pra dizer as coisas, e
quando percebemos… o tempo já levou.
— Pois é. E
aí sobra o silêncio. E o silêncio, às vezes, é ensurdecedor.
— O silêncio
e a saudade. — completou ela. — Mas eu tô tentando mudar isso. Tenho dito “eu
te amo” mais seguido, distribuído mais abraços, mandado mensagens sem motivos.
— Isso é
bom. A gente devia fazer isso muito mais vezes. Valorizar enquanto dá tempo,
aproveitar mais o tempo.
— É… viver
de um jeito que, quando a saudade vier, ela encontre um coração em paz.
— E não um
coração cheio de “e se...”.
— É isso. A
saudade vai doer de qualquer jeito, mas pelo menos vai doer com gratidão, não
com arrependimento.
— Bonito
isso. — Ele sorriu. — Acho que é assim que a gente transforma a dor em
lembrança boa.
— E a
lembrança boa, com força pra seguir em frente.
—
Exatamente. E seguir… é o maior “obrigado” que a gente pode dar pra quem já se
foi.
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A saudade é
um amor que ficou sem endereço fixo. Dói, aperta, e às vezes até revolta. Mas
também é prova de que alguém viveu dentro do coração da gente — e continua
vivendo, mesmo estando longe.
Valorizar o hoje é o jeito mais bonito de agradecer pelo ontem. É dizer “eu te amo” enquanto dá tempo, é criar memórias felizes das pessoas que amamos, não feridas abertas.
E quando a
saudade vier, que ela traga mais sorrisos do que lágrimas. Porque quem partiu
continua aqui — não no corpo, mas no que deixou: amor, cheiro, voz, lembrança.
E isso… é pra sempre.

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