sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Um navio no porto está seguro, mas não é para isso que ele foi feito.

 
            Era início da tarde quando Henrique, dono de uma pequena loja de materiais de construção, chamou Gustavo, um de seus funcionários, para conversar no pequeno escritório. O clima estava tranquilo, mas Henrique sabia que precisava abordar o assunto com cuidado. Gustavo, de 20 anos, era esforçado, filho de uma antiga funcionária da empresa, que se aposentou, mas ultimamente parecia desmotivado, trabalhando no automático.

Henrique acreditava no potencial de Gustavo, mas há dias que vinha observando o seu funcionário no trabalho e percebeu que ele parecia aéreo, desmotivado e temia que esse comportamento poderia até mesmo causar um acidente, devido a falta de atenção. Diante disso e em consideração à Vera, mãe de Gustavo, resolveu chamar o rapaz para uma conversa e entender o que estava acontecendo.

Gustavo, tudo bem? — começou Henrique, gesticulando para ele se sentar na cadeira em frente à sua mesa. 

Tudo, sim, chefe. Aconteceu alguma coisa? — respondeu Gustavo, desconfiado. 

Henrique apoiou os braços na mesa e olhou diretamente para ele. 

— Cara, vou ser direto. Notei que você anda meio pra baixo no trabalho. Sabe, essa sua falta de atenção, além de não estar rendendo no serviço, pode causar um acidente com você ou com um dos seus colegas. Tá tudo certo com você? 

Gustavo hesitou. Olhou para o chão e depois de alguns segundos, respondeu: 

— Ah, eu tô bem, só... não sei. Parece que nada faz sentido ultimamente. 

Como assim? — Henrique arqueou a sobrancelha, intrigado. 

— Sei lá, Sr. Henrique. Eu venho aqui, faço o que tem que fazer, vou pra casa... e no dia seguinte é tudo igual. Sinto que não tô indo a lugar nenhum, sabe?  Eu queria mais pra mim.

Henrique respirou fundo. Era exatamente o que ele suspeitava. A ansiedade que quase todo jovem tem por querer que seus sonhos se realizem do dia para a noite. 

— Entendo. Mas já pensou que talvez o problema não seja o trabalho, mas como você está se cobrando por não estar conseguindo ver o seu futuro? Está tão preocupado em cumprir tua rotina diária, o que não deixa de ser indicação de responsabilidade e dedicação, mas não percebe oportunidades que estão à tua volta.

Gustavo franziu a testa, confuso. 

— Como assim? 

Olha, vou te contar uma história — Henrique apoiou-se na mesa. — Imagine um navio ancorado no porto. Está seguro lá, não é mesmo? Não corre o risco de enfrentar uma tempestade ou se perder no mar. Mas... foi para isso que ele foi feito? 

Gustavo balançou a cabeça, lentamente. 

— Acho que não. Acredito que o navio foi feito pra navegar. 

Henrique sorriu. 

— Exato. Só que, pra isso, ele precisa enfrentar o mar. Às vezes, vai ser tranquilo, outras vezes vai ter onda alta, vento forte, mas é nesse vai e vem que ele cumpre o propósito dele. 

Gustavo ficou em silêncio por alguns segundos, absorvendo aquilo. 

— Você tá dizendo que eu tô parado no porto, igual um navio? 

— Talvez, Gustavo. Às vezes a gente fica parado demais, com medo de arriscar. Só que isso também desgasta a gente, sabe? Igual ao navio que, parado, sem sair do lugar, enferruja. 

Faz sentido... — Gustavo admitiu, com um leve sorriso. — Mas como eu faço pra sair desse porto? 

Henrique inclinou-se para frente. 

— Primeiro, você tem que descobrir qual é a sua rota, por qual mar você vai ter que navegar. Descobrir o que você realmente quer fazer? O que te empolga? 

Eu gosto de aprender coisas novas — Gustavo respondeu, com um brilho tímido nos olhos. — Mas aqui eu sinto que tô sempre fazendo a mesma coisa.  Todos os dias.

— Já pensou em sugerir mudanças? Apresentar novas ideias? Talvez até aprender algo que ajude a loja e, principalmente, também te desafie. 

Tipo o quê? — perguntou Gustavo, curioso. 

— Sei lá, pode ser aprender sobre outros métodos de venda, online, por exemplo. A loja precisa atrair novos clientes. Você pode aprender a usar as redes sociais pra aumentar as vendas. Retome os estudos, faça cursos. Solte as amarras. Saia do porto, navegue por novos mares. Não espere que outros navios façam a sua viagem. Se você quiser, posso te ajudar com isso, te indicando alguns cursos. Tu sabe que sempre tratei meus funcionários como amigos e essa porta está sempre aberta pra vocês, para resolver qualquer dúvida. O rendimento de vocês reflete diretamente no rendimento da empresa, portanto devemos sempre estar sintonizados. 

Gustavo pareceu animado pela primeira vez em semanas. 

— Sério? Acho que seria legal! 

— Então, bora navegar, Gustavo. Ninguém espera que você saiba tudo no começo. Mas o importante é dar o primeiro passo. Ajustar as velas.  Aproveitar o vento.

Gustavo deu um sorriso mais confiante. 

— Acho que o senhor tem razão. 

Henrique estendeu a mão para ele. 

— Eu sei que tenho. Só não deixa o medo te segurar, cara. O mar é grande, mas você é mais forte do que as ondas. A loja precisa de navios que suportem a carga e que saibam escolher novas rotas.

Aquele diálogo mudou algo em Gustavo. Ele saiu do escritório com uma nova energia, disposto a fazer mais e ser mais. Porque, no fundo, ele sabia que tinha passado muito tempo ancorado no mesmo lugar — e era hora de zarpar.

A história de Henrique e Gustavo traz uma lição poderosa sobre a importância de sair da zona de conforto e abraçar desafios como parte do crescimento pessoal e profissional. Gustavo, apesar de esforçado, se via preso em uma rotina monótona, incapaz de enxergar propósito ou evolução. Henrique, com sensibilidade e sabedoria, usou a metáfora do navio para ilustrar que o verdadeiro potencial só é alcançado quando enfrentamos os "mares" da vida, com suas calmarias e tempestades.

A moral da história é clara: permanecer em segurança, evitando riscos, pode parecer confortável, mas também pode levar à estagnação. Assim como o navio não foi feito para ficar no porto, as pessoas precisam explorar, aprender e se desafiar. Para quem lê, a mensagem é um convite: identifique seu "porto seguro" e pergunte-se se não é hora de navegar em direção a algo maior. Afinal, o crescimento exige coragem para ajustar as velas e confiança para enfrentar as ondas.

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