Já era sexta-feira, e a noite
prometia. Ana, já arrumada, estava na casa de Clara, esperando-a terminar de se
arrumar. Clara estava indecisa sobre qual roupa usar. Ana, percebendo a
indecisão da amiga, resolveu dar alguns palpites.
—
Você já tentou usar aquele vestido que a gente comprou na promoção? Achei que
ia ficar perfeito em você!
—
Tentei ontem à noite, mas foi um desastre. Eu mal consegui vestir, Ana! Parecia
que estava tentando espremer um elefante num pote de geleia. E o pior é que
insisti. Estiquei, puxei, fiz contorcionismo. No fim, desisti, sentei na cama e
fiquei olhando para o espelho, toda frustrada.
— Ah, amiga, mas é isso mesmo. Se tem que forçar tanto assim, é porque não é para você. A gente vive tentando empurrar coisas que claramente não se encaixam, seja roupa, sapato, amizade... até a vida amorosa entra nessa lista.
—
Verdade, mas às vezes é difícil aceitar isso. Eu fico pensando: “E se eu
insistisse mais um pouco? Talvez fosse dar certo...”
—
Insistir mais, Clara? Pra quê? Pra acabar mais frustrada ainda? Olha, eu
aprendi uma coisa: o que é para a gente não precisa de sofrimento para
acontecer. Pode até exigir esforço, porque nada é mágico, mas nunca vai
machucar ou te fazer sentir que está carregando o mundo nas costas.
—
Mas como a gente sabe que algo não é para a gente? Às vezes, eu penso que só
estou sendo impaciente, que tudo é fase e vai melhorar...
—
Eu sei como é. É confuso mesmo. Mas olha, preste atenção nos sinais. Quando
algo é para você, mesmo nos momentos difíceis, você sente que há equilíbrio.
Agora, se todo dia é uma luta para se encaixar, se você sai sempre exausta
emocionalmente e nunca sente um retorno real, é um grande sinal de alerta.
—
Acho que você está falando disso com mais propriedade do que parece. Está
pensando em alguma coisa específica, Ana?
—
Talvez... Digamos que já forcei muito em amizades que não me levavam a lugar
nenhum. Eu me desgastava tentando agradar, tentava estar presente, mas nunca
sentia reciprocidade. Era como correr atrás de um trem que nunca parava para me
pegar.
—
Nossa, eu também já passei por isso. E é cansativo demais, né? Dá uma sensação
de vazio...
—
Exato, Clara! É como usar um sapato que não serve. Ele pode até parecer bonito,
mas cada passo é uma tortura. No final, você só quer arrancar aquilo e sentir
seus pés livres.
—
E em relacionamentos amorosos, Ana? Você acha que é a mesma coisa?
—
Sim, até mais sério. Porque, nos relacionamentos, o impacto é direto na sua
autoestima. Se você está sempre se sacrificando, tentando segurar algo que só
você valoriza, começa a acreditar que isso é normal. E não é. Amor verdadeiro é
leve, mesmo nos dias difíceis.
—
Mas e se eu desistir cedo demais? Às vezes, penso que, se eu tentar só mais um
pouco, talvez tudo se ajuste...
—
O problema não é tentar, Clara. O problema é ignorar os limites. Se você está
carregando tudo sozinha, é porque a outra pessoa já desistiu faz tempo, mesmo
que não diga. E aí, quem paga o preço? Você.
—
Sabe, Ana, isso me faz pensar no meu namoro. Parece que sou a única que se
importa. Ele sempre tem uma desculpa, sempre coloca tudo na minha
responsabilidade.
—
Então, já sabe a resposta, né? Relacionamento é parceria, não servidão. Se você
se sente mais cansada do que feliz, é um sinal claro de que algo está errado. E
não tem problema reconhecer isso e decidir parar.
—
É que dá aquela culpa, sabe? Parece que estou sendo egoísta por querer algo
diferente, algo melhor.
—
Clara, você não está sendo egoísta. Se respeitar não é um ato de egoísmo, é de
amor-próprio. E o mais importante: quando você abre mão do que não te serve,
cria espaço para coisas novas e melhores entrarem na sua vida.
—
Nunca pensei por esse lado. Sempre achei que insistir era uma forma de mostrar
o quanto me importava.
—
Mostra, mas a questão é: e o outro lado? Se só você está tentando, se só você
está se importando, então quem está do outro lado não está no mesmo ritmo. E
não dá para dançar uma música assim.
—
É difícil, mas acho que preciso fazer isso por mim. Não só no namoro, mas em
outras áreas também.
—
Isso mesmo. E lembre-se: o que é para você não precisa de tanto esforço para
encaixar. Vai se ajustar de forma natural, como uma peça de quebra-cabeça que
cabe exatamente onde deveria estar. E agora, vamos parar com essa ladainha, porque já deveríamos estar na festa, e vamos lá em casa que te empresto um dos meus vestidos.
.-.-.-.-.
O
diálogo entre Ana e Clara dá aquela sacudida necessária na gente: a vida fica
mais leve quando paramos de insistir no que não nos cabe. Seja uma roupa que
aperta ou uma relação que cansa, forçar algo que não combina com a gente só
traz frustração. O que realmente é nosso chega no tempo certo, sem sufocar, sem
pesar.
Mais
do que isso, ele lembra o quanto é importante se colocar em primeiro lugar.
Cuidar de si não é egoísmo, é sobrevivência. Relacionamentos – sejam amizades
ou amores – precisam de troca, de parceria. Se você está carregando tudo
sozinha(o), já passou da hora de olhar pra isso com mais carinho e se
perguntar: “Por que eu ainda estou aqui?”.
No
fim, a mensagem é simples e poderosa: o que é para a gente não machuca, não
aperta, não desgasta a alma. Soltar o que não faz bem é um ato de coragem, e é
assim que a gente abre espaço para tudo de bom que a vida tem para oferecer.
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