A
lua brilhava acima do quintal da vó Lina, onde o tempo parecia passar mais
devagar. O cenário era simples: área de acesso à cozinha da casa, um fogão à lenha aceso, cadeiras de plástico
espalhadas sem ordem, e quatro jovens com pensamentos inquietos. Pedro (19)
estava jogado numa cadeira, girando uma caneca vazia. Sara (21) mexia no
celular, mas só fingia prestar atenção. Caio (18) estava apoiado no murinho,
com um galho na mão. E Júlia (17) encarava as brasas, claramente perdida em
pensamentos.
Vó
Lina cuidava dos seus afazeres na cozinha. De longe, prestava atenção nos
netos, afinal, coube a ela acolher e cuidar das “crianças” naquele fim de
semana. A conversa rolava solta e descontraída, até que Júlia, sem aviso,
iniciou um outro assunto mais sério.
—
Ih, lá vem — Pedro suspirou, mas era óbvio que ele estava pensando na pergunta. —
Acho que a gente aprende a fingir que tá tudo bem. Melhorar, melhorar de verdade... Tenho minhas
dúvidas.
—
Ou aprende a carregar o peso — Caio cortou, enquanto mexia o galho no chão. —
Tipo aquelas mochilas pesadas que você ajusta a alça. Não fica leve, mas dá pra
andar. No começo, parece difícil, mas,
com o tempo, você se acostuma com o peso.
—
Saudade é tipo isso, né? — Sara entrou na conversa, largando o celular no colo.
— Tem a saudade boa, de quem tá longe, mas você sabe que vai ver de novo. E tem
aquela... — pausou e olhou pro céu. — Aquela que machuca, porque você sabe que
não tem volta.
—
A última é a pior — murmurou Júlia, segurando o choro. — A gente fica esperando
a porta se abrir e ver aquele sorriso que sempre te motivou, mas a porta
permanece fechada. No lugar do sorriso, uma ausência doída. Dá vontade de gritar, mas ninguém vai
ouvir.
—
É mais um vazio, né? — Pedro completou. — Tipo assistir um filme incrível e
ninguém ao seu redor ter visto pra comentar. Por mais que você tente explicar,
ninguém vai te entender.
Caio
riu de canto: — Poético, hein? Hoje vocês tão inspirados.
—
E você tá bem chato — devolveu Pedro, jogando a caneca na direção de Caio, que
desviou rindo.
—
Tá, mas sério pessoal — Sara retomou. — Saudade faz isso. Te deixa meio poeta,
meio nostálgico.
—
Eu sinto saudade do meu pai... — Júlia começou, a voz baixa. — Às vezes dá uma
raiva de não ter ele aqui pra ver as coisas boas que acontecem comigo, muitas,
aliás, eram desejos dele. Outras vezes, me sinto culpada de estar feliz sem ele
ao meu lado.
—
Ei, ei, corta isso já! — Pedro falou num tom mais alto. — Ele ia querer ver
você feliz, sim. Lembram que vovô sempre dizia: “Saudade é o jeito do coração
lembrar de quem a gente ama. Estando junto da gente ou não.”
—
Bonito, hein? Tô até anotando mentalmente — Caio brincou, mas logo ficou sério.
— Agora... e quando a pessoa tá viva, mas você sente saudade do que vocês eram
antes? Essa saudade dói de um jeito diferente, como se algo tivesse quebrado e
ninguém quisesse consertar.
—
Talvez porque é uma saudade de algo que quebrou e, mesmo que você cole, nunca
mais será o mesmo, sempre haverá marcas permanentes. Saudade também é
aceitação. Aceitar que o passado foi bom, mas o presente é diferente. — Sara
comentou, pensativa.
Pedro
coçou a cabeça: — E aí? Como resolve isso? Simplesmente aceitar e deixar rolar?
—
Não resolve — Sara deu de ombros. — Aceita. Saudade não é pra ser consertada. É
pra ser carregada. Ameniza quando você
para de lutar contra e aprende a conviver com ela
—
Tipo “só um pouquinho, o tempo todo”? — Júlia levantou os olhos, meio
tímida.
—
Isso mesmo — Caio assentiu. — Se fosse muita o tempo inteiro, a gente pirava. É
melhor deixar ela pequenininha, num cantinho especial no coração. E quando der
vontade, pega ela, dá um abraço, um beijo e a coloca de volta no mesmo lugar.
—
Quer saber? Saudade é uma prova de que algo foi especial — Pedro concluiu,
gesticulando como se fosse um filósofo.
Sara
sorriu: — Então, no fundo, saudade é meio bonita. Dói, mas mostra que a gente
amou de verdade, seja alguém ou um momento.
—
Será que um dia a gente vai olhar para a saudade e sentir só gratidão? — Júlia
perguntou, já enxugando os olhos.
—
Talvez gratidão e saudade sejam tipo melhores amigas inseparáveis — Caio
respondeu. — Andam juntas. Cada uma com
seu tamanho e significado.
Pedro
riu: — Melhor assim. Porque esquecer... isso sim seria triste. Se você amou de
verdade, nunca irá esquecer.
A
vó Lina apareceu na porta da cozinha, limpando as mãos no avental, com aquele
sorriso que sabia misturar sabedoria e saudade. Ela caminhou devagar até os
netos, se apoiou no murinho ao lado de Caio e suspirou fundo antes de falar.
—
Vocês sabem... a saudade que me mantém em pé até hoje é a do seu avô João. Cada
manhã, quando abro os olhos, sinto falta dele. Do jeito que ria das minhas
piadas sem graça, da paciência que tinha com as minhas teimosias. Mas sabe o
que ajuda? Olhar pra vocês quatro. Ver o amor, o respeito, a amizade entre
vocês. Isso me lembra que ele ainda tá aqui, de um jeito ou de outro. É como se
a saudade dele me ensinasse a valorizar ainda mais o que eu tenho agora. E
olha, nunca deixem que a saudade de quem foi apague a alegria de quem ainda tá
aqui, viu? A vida é esse misto bonito de lembrar e seguir em frente.
Os
quatro se levantaram e deram um abraço coletivo na vó Lina. Júlia, a mais
sensível e emotiva, caiu aos prantos, sendo também abraçada por todos. Vó Lina,
enxugou os olhos no avental e mandou todos irem para a cozinha que a janta
estava pronta.
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Saudade
é, ao mesmo tempo, um lembrete e um professor. Ela nos lembra do que foi bom e
ensina que o amor não tem limites físicos ou temporais. No entanto, o
aprendizado não é imediato; é um processo de aceitação e ressignificação.
Saudade
é isso: uma mistura de vazio e preenchimento, dor e carinho. Ela não some, mas
muda de forma. O grupo na casa da vó Lina entendeu que a saudade não é inimiga,
mas uma lembrança viva de quem foi importante. No final, a saudade é só o
coração dizendo que algo foi tão bom que ainda vive dentro de você.
Pra
você que tá lendo este texto e está sentindo essa saudade doída, talvez seja hora de encarar a saudade de um jeito diferente.
Ela não é só dor; ela também é amor que ficou guardado. Tá tudo bem sentir
saudade. Só não esquece que ela não precisa te parar. Ela pode andar com você,
lado a lado, como uma velha amiga. É como se a saudade encontrasse um jeito de
se encaixar nos nossos dias, sem atrapalhar. Afinal, é ela quem te conecta ao
que foi especial e inesquecível.
Tenha certeza, a saudade vai ser um pouco menor, mas não menos importante, se você não deixar para amanhã aquele abraço, aquele sorriso, aquele beijo, aquele "eu te amo" ou aquele "me perdoe". Leve flores hoje, amanhã pode ser que a pessoa não consiga ver a beleza e nem sentir o perfume delas. A saudade sempre irá existir, mas cabe somente a nós decidir se ela será alegre e bonita ou triste e dolorida. Ame sempre, mas, hoje, ame com mais força.
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