—
Ei, tu já percebeu como as promessas cansam? — soltei do nada, enquanto a gente
esperava o ônibus, sentados na mureta da praça.
—
Que papo é esse agora? Cansar? Que tipo de promessa? Tipo: “Prometo que vou te
pagar amanhã”?
—
Também, mas não só isso. Tô falando das promessas grandes, sabe? Aquela coisa
de “Eu juro que nunca vou te decepcionar” ou “Prometo que vou ser alguém
incrível”. Não parece tudo... meio ensaiado?
—
É... agora que tu falou assim, parece mesmo. A galera vive prometendo e, no
final, nada muda. Só alimenta expectativa.
— Exato! Eu ando pensando que as surpresas valem muito mais. Elas são reais, não precisam de anúncio, de cartaz luminoso. Elas só acontecem... e pronto.
—
Tipo aquele dia que tu apareceu com coxinha e refrigerante só porque eu tava na
bad?
—
Isso! Aquilo foi uma surpresa. Imagina se eu dissesse: “Prometo que, toda vez
que você estiver triste, vou trazer coxinha.” Aí eu não ia conseguir cumprir
sempre. Ia virar peso, não carinho.
—
Faz sentido. Nunca pensei por esse lado. As promessas viram meio que uma
cobrança depois, né?
—
Sim. E o pior: às vezes viram um contrato que a gente assina sem ler. A pessoa
promete porque acha bonito, ou pra agradar no momento, mas nem pensa se vai
conseguir manter.
—
Já me prometeram que nunca iam me abandonar. Hoje, nem respondem meus stories.
Nem um emoji.
—
Aí está. As promessas são bonitas demais pra viver no mundo real. Já as
surpresas... elas cabem no bolso, no tempo, no coração.
—
Mas e quando alguém promete e cumpre?
—
Aí é ótimo. Mas, ainda assim... não seria melhor se tivesse vindo de forma
espontânea? Sem a expectativa criada antes? Aquela alegria inesperada tem outro
sabor.
—
Tipo ganhar presente fora de época. Sem data, sem obrigação.
—
Isso. O presente sem data é puro afeto. Já o de aniversário... vem meio no
piloto automático. Não que seja ruim, claro. Mas uma surpresa aleatória ganha o
dobro de valor.
—
Nossa, que louco isso. Nunca parei pra pensar que talvez a gente viva esperando
promessas em vez de criar momentos.
—
Porque a promessa embala a gente numa ideia de “amanhã melhor”. Só que o amanhã
é incerto. Já a surpresa acontece no agora.
—
E por isso a gente se decepciona menos com as surpresas?
—
Sim. A surpresa é leve. Ela não carrega a pressão de um “pra sempre”. Ela só
aparece e muda nosso dia. Já uma promessa quebrada... machuca bem mais.
—
Acho que tô começando a entender. Quando tu fez aquela playlist e me mandou sem
avisar... aquilo me salvou naquele dia. Se tu tivesse prometido: “Vou fazer uma
playlist legal um dia desses”, eu ia esperar. E talvez me frustrar.
—
Tá vendo? As melhores coisas da vida são aquelas que a gente nem sabia que
precisava, até acontecerem.
—
Então prometer menos e surpreender mais é o segredo?
—
Talvez seja. Surpreender mais, ouvir mais, agir mais... e falar menos. Mostrar,
em vez de declarar.
—
Isso serve pra tudo, né? Relacionamento, amizade, até com a gente mesmo.
—
Principalmente com a gente mesmo. A gente vive fazendo promessas internas:
“Semana que vem eu começo a academia”, “Segunda eu mudo de vida”, “Ano que vem
eu viajo.” E vai adiando a vida.
—
É verdade. E, quando a gente se surpreende consigo mesmo, tipo: “Caramba,
consegui fazer isso sem planejar!”... dá um orgulho danado.
—
O tal orgulho bom, que vem de dentro. Sem pressão, sem cobrança.
—
Mas será que isso significa que prometer é sempre ruim?
—
Não. Só significa que prometer demais esvazia o valor da ação. Fica tudo no
discurso. E a vida é muito mais sobre atitude do que sobre intenção.
—
Tipo aquele ditado... como é mesmo? “De boas intenções o inferno tá cheio.”
—
Esse mesmo. A intenção sem atitude é só fumaça. A surpresa é o fogo aceso no
meio da rotina.
—
Agora tu foi poético.
—
Às vezes escapa. Mas é sério. Quando alguém te surpreende com um gesto, uma
palavra, um cuidado... é como se dissesse: “Eu pensei em você sem que você
pedisse.” Isso vale ouro.
—
É. Dá vontade de fazer isso pelos outros também. Ser a surpresa, não a
promessa.
—
Aí tu entendeu tudo. No fundo, ser lembrado sem ser cobrado é o que todo mundo
quer.
—
Eu juro que vou tentar ser assim.
—
Não precisa jurar. Me surpreende.
—
Beleza. Mas te prepara, porque eu sou péssimo em guardar segredo.
—
Já é um começo.
------------------------------
Talvez
você já tenha percebido que a gente vive rodeado de promessas vazias. Gente
dizendo que vai mudar, que vai estar sempre ao nosso lado, que nunca vai
falhar. Mas a verdade é que as surpresas silenciosas, os gestos simples e
inesperados dizem muito mais do que discursos longos e ensaiados.
O
problema das promessas é que elas criam expectativa. E, onde há expectativa
demais, a decepção bate à porta. Já as surpresas nos encontram desprevenidos —
e, por isso mesmo, tocam mais fundo. Elas têm o poder de virar memória bonita,
história para contar, inspiração para viver.
Então,
que tal deixar um pouco de lado esse costume de prometer tudo? Em vez disso,
surpreenda. Com carinho. Com atitudes. Com presença.
Seja
a surpresa boa na vida de alguém. Seja aquela mensagem fora de hora, aquele
elogio sincero, aquela ajuda inesperada. Porque, no fim das contas, quem
surpreende marca. Quem promete demais... corre o risco de sumir no ruído das
palavras esquecidas.
E
aí, você já surpreendeu alguém hoje?
Nenhum comentário:
Postar um comentário