Cenário: Uma garagem com cheiro de passado e eco de guitarras. Um velho rádio toca “Smoke on the Water” baixinho. Sentado num sofá surrado, seu Zeca — um roqueiro de 67 anos com camiseta do Led Zeppelin, cabelos grisalhos presos num rabo de cavalo e olhos que brilham como holofotes — está cercado por três jovens: Lucas (15), Júlia (16) e Rafa (18). O assunto? Música. Mais precisamente: rock.
— Vocês sabem o que é isso que tá tocando? — pergunta seu Zeca, apontando com o queixo pro rádio.
— Deep Purple? — arrisca Rafa, meio inseguro.
— Isso mesmo! “Smoke on the Water” (Fumaça sobre as águas). O riff mais famoso do rock. Se um dia vocês pegarem uma guitarra, vão aprender esse antes de saber afinar o instrumento. É quase um batismo.
— Mas por que tanto amor pelo rock, vô? — pergunta Júlia, curiosa. — A gente ouve bastante pop, funk e alguma coisa do sertanejo hoje, sabe?
— Nada contra esses aí, viu? Mas o rock... ah, o rock tem alma. Tem atitude. Ele nasceu pra incomodar, pra dizer o que ninguém tinha coragem de dizer. O rock é filho da rebeldia e neto do blues. Não é só barulho. É poesia com amplificador.
— Mas o que tinha de tão especial assim? — insiste Lucas, franzindo a testa. — Não era tudo guitarra e grito?
— Boa pergunta. O som era cru, sim. Mas autêntico. Quando o Jim Morrison cantava “This is the end, beautiful friend” (Este é o fim, meu belo amigo — como quem se despede da inocência), ele não tava tentando agradar ninguém. Ele tava cuspindo o que sentia. E é por isso que a gente ainda ouve esses caras hoje. Porque eles não se moldavam. Eles quebravam moldes.
— Mas hoje em dia tudo é muito mais bem produzido, né? — comenta Rafa. — Tem beat, tem efeito, tem auto-tune...
— Pois é... Tem tanta coisa que, às vezes, falta a coisa mais importante: a verdade. No rock, você sente o suor do cara na voz, o erro da palheta na corda, o solo que não foi ensaiado, mas saiu com alma. Era imperfeito — e era isso que fazia dele perfeito.
— Qual foi a primeira banda que te pegou de jeito, vô? — pergunta Júlia, sorrindo.
— The Beatles. Lembro como se fosse ontem. “Help!” (Socorro!) tocou na vitrola e minha vida nunca mais foi igual. Depois vieram os Rolling Stones, o Hendrix, o Queen... Quando o Freddie cantou “We Are the Champions” (Nós somos os campeões — porque resistimos até o fim), parecia que ele tava dizendo aquilo por todos nós que éramos diferentes, sonhadores, estranhos.
— A gente ouve essas músicas nas trilhas de filme, às vezes. Tipo “Bohemian Rhapsody”, né? — diz Lucas.
— Essa é uma obra de arte. Mistura ópera com rock pesado. Quem teve essa ousadia? Só o rock ousa assim. O pop de hoje é bom, tem coisa criativa, mas às vezes parece que falta... fôlego.
— E por que o rock sobrevive até hoje? — questiona Rafa.
— Porque ele é sincero. E a sinceridade é imortal. Você pode até não gostar de rock, mas quando ouve “Imagine” (Imagine — um mundo sem muros, sem guerra, só gente vivendo em paz), do Lennon, alguma coisa mexe dentro. Quando ouve “Stairway to Heaven” (Escada para o céu — uma busca espiritual por algo maior), é como se subisse um degrau pra dentro de si.
— Nossa geração é muito de consumo rápido — comenta Júlia. — Tudo vira tendência e depois desaparece.
— Pois é. Mas o rock não foi feito pra ser tendência. Foi feito pra marcar. Por isso tem adolescente usando camiseta do Nirvana sem nem saber quem foi o Kurt Cobain. Porque mesmo sem entender tudo, sentem alguma coisa. O rock é um chamado. Nem todo mundo ouve, mas quem ouve... nunca mais esquece.
— E o que o rock ensinou pro senhor? — pergunta Lucas, de forma sincera.
— Me ensinou a questionar. Me ensinou a levantar quando caí. Quando o Bon Jovi cantava “It’s My Life” (É a minha vida — e ninguém vai dizer como devo vivê-la), eu acreditava mesmo que era minha hora. Me ensinou a amar sem medida e sofrer sem vergonha. Porque o rock não esconde a dor — ele canta ela alto.
— Acho que a gente perdeu um pouco disso hoje — reflete Rafa. — Tá tudo muito editado, muito perfeitinho.
— Perfeito cansa, meu neto. É por isso que “Wish You Were Here” (Queria que você estivesse aqui — pra sentir o mundo do meu lado) ainda emociona. É por isso que “Knockin’ on Heaven’s Door” (Batendo na porta do céu — como quem sente que o fim está perto) ainda arrepia. Porque são músicas que não foram feitas pra tocar nas paradas, foram feitas pra tocar nas almas.
— O senhor acha que ainda vai surgir uma nova era do rock? — pergunta Júlia, esperançosa.
— O rock nunca morreu. Ele só tá cochilando nos porões, esperando a próxima banda que vai ter coragem de gritar. Porque o rock sempre começa com um grito.
— E o que o senhor diria pra quem acha que rock é coisa de velho?
— Diria pra ouvir “Paranoid” (Paranoico), do Black Sabbath, num fone bom e com o volume lá em cima. Depois, me conta se isso soa velho ou eterno.
— Qual é a sua letra preferida? — pergunta Lucas.
— Difícil... Mas talvez: “You can’t always get what you want, but if you try sometimes, you just might find... you get what you need.” (Você nem sempre consegue o que quer, mas se tentar de verdade, pode acabar encontrando o que realmente precisa.) — dos Rolling Stones. Me salvou em dias ruins.
— Essa frase é boa demais — diz Rafa, anotando no celular.
— O rock te dá isso, meu filho. Frases que viram bússola.
— Acho que tô começando a entender — diz Júlia. — Não é só sobre música. É sobre sentir.
— Exatamente. O rock não é só ouvido, é vivido. É o que você toca quando quer gritar e ninguém ouve. É o que você canta quando precisa lembrar quem você é.
— E qual conselho o senhor dá pra nossa geração? — pergunta Rafa, curioso.
— Não deixem o algoritmo decidir o que vocês vão escutar. Peguem um disco velho, leiam a letra, sintam a guitarra. Descubram músicas como quem acha um tesouro. Porque é isso que elas são. E não precisa ficar somente no rock internacional não, no Brasil tem muito rock importante, que também marcou muito. Pesquisem. Vocês irão se apaixonar.
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O rock não tem data de validade porque ele não pertence a uma época, mas a uma essência. Ele é o som de quem desafia, de quem sente fundo, de quem transforma dor em arte. Em cada refrão que grita liberdade e cada solo que corta o silêncio como navalha, o rock se mantém — não por nostalgia, mas por relevância.
Que a juventude não abandone essa energia crua e verdadeira. Porque enquanto houver alguém com o coração inquieto, haverá também uma guitarra pronta pra soar alto e lembrar ao mundo que sentir ainda é a coisa mais importante de todas.
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