Era
uma noite de Halloween e a galera do bairro havia caprichado nas fantasias.
Entre eles, João estava de vampiro, Mariana tinha uma caveira assustadora, Lucas
vestia uma capa de bruxo, e Clara, com um chapéu pontudo, era uma bruxa
clássica. Andavam juntos, rindo e contando histórias assustadoras de fantasmas
e vampiros, prontos para curtir a noite com a tradicional caça aos doces e
algumas boas risadas. Mas, de repente, eles avistaram algo curioso: um velho senhor
sentado na praça, calmamente fumando um cachimbo e observando o grupo com um leve sorriso no rosto.
Curiosos,
se aproximaram. João, o “vampiro”, foi o primeiro a cumprimentá-lo:
— E aí, senhor, tá achando a gente assustador? — disse ele, brincando enquanto mostrava os “dentes” afiados de plástico.
O
velho deu uma risada baixa e balançou a cabeça.
— Assustador? Sei não… essas fantasias aí, meu filho, são
mais coisas de gringo, não? Vocês conhecem os monstros de verdade, os daqui
mesmo?
Mariana,
que estava de caveira, fez uma cara de dúvida:
— Monstros daqui? Tipo… lobisomem?
— É, lobisomem também… Mas tem muito mais coisa, minha
filha. — O velho
ajeitou o chapéu de palha e continuou, olhando cada um deles nos olhos. — Por
exemplo, já ouviram falar do Boi Tatá?
Os
amigos trocaram olhares confusos, e Clara deu um passo à frente:
— Não… o que ele faz?
O
velho deu uma tragada no cachimbo e soprou a fumaça, que se espalhou no ar.
— Dizem que ele é um fogo vivo num corpo de cobra, que
serpenteia pelos campos à noite pra proteger a floresta e assusta quem tenta
colocar fogo na mata. Ele tem olhos brilhantes, como brasas, e não é nada
amigável com quem ousa destruir a natureza. E olhe… é mais aterrorizante que
qualquer vampiro que vocês já viram.
O
grupo ficou em silêncio, envolvido pela história, enquanto o senhor continuava.
— E tem o Curupira, o guardião da floresta, com os pés
virados pra trás. Pra despistar caçadores e proteger os animais, ele deixa
pegadas falsas. Quem o desafia costuma se perder sem rumo no meio do mato. E
nunca mais acha a saída.
—
Nossa… — Lucas, o bruxo, comentou. — Já tinha ouvido falar desse tal Curupira, mas nunca imaginei que fosse assim.
O
senhor balançou a cabeça e deu outra risada, mais sombria.
— E se vocês acham que só tem isso, esperem até ouvir da
Mula Sem Cabeça! Uma criatura que vaga pelas noites de lua cheia, com uma
cabeça em chamas e um relinchar tão alto que arrepia até o mais valente.
—
Mas ela machuca as pessoas? — perguntou Mariana, com um ar de assustada.
—
Machuca, sim, e muito! Ela aparece como castigo, uma história de traição e
arrependimento. Dizem que quem a encontra sente o próprio sangue gelar. Agora,
imagina só dar de cara com ela num caminho deserto? — Os olhos do velho
brilharam, e ele deu um sorrisinho misterioso.
—
Eu já escutei alguma coisa sobre o Saci? Ele também é assustador? — Clara perguntou, mais curiosa do
que nunca.
— O Saci é um menino traquina. Anda sempre com seu gorro
vermelho e fuma cachimbo, como eu. Ele adora fazer travessuras, escondendo
coisas e assombrando quem tá distraído. Dizem que ele surge em redemoinhos de
vento, e se você não tiver cuidado, ele apronta até você ficar de cabelo em pé.
O
grupo riu, imaginando o pequeno Saci se escondendo e pregando peças. Mas, ao
mesmo tempo, havia algo assustador naquela simplicidade. João, refletindo,
olhou para o velho e disse:
— Sabe, acho que a gente sempre acaba lembrando só desses
personagens de filmes de terror e esquece dos nossos.
— Pois é, meu filho. Halloween pode ser divertido, mas os
nossos monstros… esses sim têm histórias que falam sobre quem a gente é, de
onde viemos. São lendas que carregam um pedaço do Brasil, do nosso jeito de ver
o mundo e de aprender com ele.
Os
jovens ficaram em silêncio, pensando. O velho, com um brilho sábio nos olhos,
deu mais uma tragada no cachimbo e se levantou, como se já soubesse que tinha
deixado algo importante para eles.
—
Que tal celebrar o nosso Halloween, então? Quem sabe, da próxima vez, vocês
não aparecem de Saci ou Curupira, hein? — E piscou para eles.
Clara,
por curiosidade, perguntou o nome do velho senhor:
—
Meu nome? — perguntou o velho. — Uns me chamam de Tio Barnabé, já
outros costumam me chamar de Preto Velho. — Sumindo na escuridão da noite.
Lucas
olhou para os amigos e disse:
—
Na boa? Acho que nosso Halloween vai ser bem diferente no ano que vem. Vamos fazer o “Halloween Brasileiro”. Topam?
Os
outros riram e concordaram, sentindo uma conexão nova, algo que nenhum filme de
terror americano havia conseguido trazer. O velho tinha razão: talvez fosse
hora de celebrar os “monstros” que contavam a história deles mesmos, dos
mistérios brasileiros que, embora diferentes, eram bem mais do que qualquer
capa ou máscara comprada numa loja. E naquela noite, todos eles foram embora
pensando em cada lenda, como se tivessem descoberto uma nova e arrepiante razão
para celebrar.
A
experiência com o velho senhor na praça mostrou ao grupo de amigos que nem
sempre é preciso importar tradições para vivenciar algo assustador e
significativo. Com suas histórias sobre o Boi Tatá, o Curupira, o Saci e a Mula
Sem Cabeça, o velho revelou a beleza e profundidade do folclore brasileiro, que
carrega lições sobre respeito pela natureza, consequências das ações e até
mesmo a importância da travessura e do mistério.
Ele
deixou claro que esses “monstros” não são apenas figuras para assustar, mas
também pedaços vivos da cultura e da identidade brasileira, que ensinam valores
de uma forma única e próxima à realidade deles.
Ao
ouvirem as histórias, os jovens perceberam que o Halloween pode ser celebrado
de um jeito mais autêntico, que valorize as próprias raízes. A vivência daquela
noite plantou neles uma nova admiração pelas lendas nacionais e despertou o
desejo de celebrar figuras como o Saci e a Mula Sem Cabeça, valorizando a
identidade que esses personagens carregam.
Mais
do que uma noite de fantasias, aquela conversa transformou o olhar do grupo
sobre suas próprias tradições, mostrando que suas histórias têm força e
mistério de sobra para ganhar vida em qualquer festa. Mas é preciso que as
escolas valorizem o nosso folclore, como era feito antigamente. Os jovens de
hoje desconhecem a beleza dos nossos “monstros”.
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