— Pois é — concordou Carlos, batendo o pé no chão molhado. — Sempre tem que faltar luz justo quando a gente mais quer jogar.
Na
cadeira ao lado, o Sr. Vítor, pai de Carlos, observava os dois com um meio
sorriso. Segurando uma caneca de café, olhava para a chuva como quem reencontra
um velho amigo.
—
Nada para fazer? — perguntou ele, arqueando uma sobrancelha. — Vocês
já pensaram em jogar bola na chuva?
Gerson
riu, sem acreditar no que ouvira.
— Jogar bola na chuva? Tá brincando, né, tio? A gente vai
se molhar inteiro.
Carlos
balançou a cabeça, concordando.
— Nem pensar, pai. Além de molhar, vai ficar todo mundo
sujo. E com frio.
Sr.
Vítor tomou mais um gole de café antes de responder, com calma:
— Sabem, quando eu tinha a idade de vocês, jogar bola na
chuva era a melhor parte do dia. A gente sequer se preocupava em se molhar.
Carlos
bufou.
— Outros tempos, pai. Hoje é diferente.
Vítor
olhou para os dois e, com um tom sério, começou:
— Diferente, talvez. Mas deixa eu perguntar uma coisa:
vocês sabem a diferença entre se molhar e sentir a chuva?
Gerson
franziu a testa.
— Não é a mesma coisa?
—
Não mesmo — respondeu Vítor, olhando para a chuva que caía com
insistência. — Se molhar é o que acontece com todo mundo que está debaixo da
chuva. É automático. Mas sentir a chuva... isso é para quem está realmente
vivendo o momento.
Carlos
inclinou-se um pouco para frente, curioso, embora ainda relutante.
— E o que significa "sentir a chuva", então?
Sr.
Vítor deixou a caneca de lado e sorriu, como quem conta um segredo importante.
— Sentir a chuva é quando você para de pensar no
desconforto de estar molhado e passa a perceber o que está além disso: o som
das gotas batendo no chão, o cheiro da terra molhada, a sensação de liberdade.
Quando eu jogava bola na chuva, não era só um jogo. Era a gente rindo, se
divertindo, vivendo.
Gerson
o interrompeu, rindo nervoso.
— Mas, tio, a gente vai se molhar todo.
—
Claro que vai — concordou Vítor. — Mas é isso que torna tudo
especial. É esquecer o que incomoda e aproveitar o que está acontecendo. E,
olha, não é só com a chuva que isso funciona. Na vida, às vezes, você vai
enfrentar momentos que parecem tempestades. Pode ser um problema na escola, uma
briga com um amigo ou até aqueles dias em que tudo parece dar errado.
Carlos
balançou a cabeça lentamente.
— Tá dizendo que, nesses momentos, a gente tem que
"sentir a chuva"?
—
Exatamente — disse Vítor. — Em vez de reclamar ou fugir, tente
encontrar o lado bom, a lição. É como transformar um dia chuvoso em um dia de
diversão.
Os
meninos ficaram em silêncio por um momento, absorvendo as palavras. A chuva
continuava caindo, ritmada e constante.
Gerson
foi o primeiro a se levantar.
— E se a gente tentar? Quero dizer... jogar bola na chuva.
Carlos
olhou para o primo, depois para o pai.
— Tá falando sério?
—
Por que não? — disse Gerson, enquanto já desamarrava os tênis com
pressa. Ele deu uma risada curta e continuou: — Vai ser divertido, né?
Sr.
Vítor soltou uma gargalhada daquelas que contagiam. Seus olhos brilhavam, como
se ele tivesse acabado de voltar no tempo e, por um momento, fosse o garoto que
um dia correra pela chuva sem pensar em mais nada.
— Agora sim! É isso, garotos. Eu pego a bola!
E,
sem mais conversa, os três saíram correndo para o quintal, como se fossem
amigos da mesma idade. A chuva estava fria, claro que estava, mas quem ligava?
A água escorria pelos rostos, os pés se afundavam na lama, e a bola parecia
dançar pelo gramado molhado. As risadas deles ecoavam pelo quintal, misturadas
ao barulho das gotas batendo no chão. Por um instante, tudo o que incomodava,
tudo o que parecia tão grande antes, simplesmente desapareceu. Só existia
aquele momento, puro e simples.
Naquela
tarde, Carlos e Gerson entenderam algo que nenhuma aula de escola poderia
ensinar: nem todos os dias da vida vão ser de céu azul e sol brilhando. Mas, se
você deixar, até a chuva pode virar um motivo pra sorrir. Eles descobriram que,
mais do que se molhar, o segredo é sentir a chuva. Estar ali, inteiro,
presente, sem se preocupar tanto com o desconforto.
Essa
história não é só sobre Carlos, Gerson e Sr. Vítor. É sobre todos nós. Às
vezes, a gente fica preso reclamando das coisas que saem do nosso controle,
como se isso fosse resolver alguma coisa. A chuva, que começou como o vilão
daquele dia, acabou se tornando a estrela principal, o cenário de uma lembrança
que eles nunca mais iam esquecer.
"Sentir
a chuva" não é só uma frase bonita pra colocar no Instagram. É sobre viver
de verdade. É sobre abrir mão de controlar tudo e simplesmente abraçar o que
está acontecendo. Às vezes, a gente foca tanto no incômodo que nem percebe a
beleza escondida ali, nos detalhes: no som das risadas, no cheiro da terra
molhada, no jeito que as coisas pequenas, como um chute numa bola, podem ser
tão importantes.
No
fim das contas, essa história é um lembrete para gente desacelerar, dar valor
ao que parece pequeno. As melhores coisas da vida, quase sempre, são aquelas
que pegam a gente de surpresa: uma risada inesperada, um instante de diversão,
um momento simples que fica guardado no coração para sempre.
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