domingo, 8 de dezembro de 2024

Alguns sentem a chuva, outros, apenas se molham.

            Carlos e Gerson estavam sentados na varanda, com os braços cruzados e olhares desanimados. A chuva caía firme, formando pequenas correntes que escorriam pela calçada. Dentro de casa, a falta de energia elétrica interrompera a partida de videogame, que prometia durar a tarde inteira.

Que saco! — reclamou Gerson, mexendo nos cadarços do tênis. — Não dá nem pra jogar direito. Não há nada pra fazer.

Pois é — concordou Carlos, batendo o pé no chão molhado. — Sempre tem que faltar luz justo quando a gente mais quer jogar.

Na cadeira ao lado, o Sr. Vítor, pai de Carlos, observava os dois com um meio sorriso. Segurando uma caneca de café, olhava para a chuva como quem reencontra um velho amigo.

Nada para fazer? — perguntou ele, arqueando uma sobrancelha. — Vocês já pensaram em jogar bola na chuva?

Gerson riu, sem acreditar no que ouvira.

— Jogar bola na chuva? Tá brincando, né, tio? A gente vai se molhar inteiro.

Carlos balançou a cabeça, concordando.

— Nem pensar, pai. Além de molhar, vai ficar todo mundo sujo. E com frio.

Sr. Vítor tomou mais um gole de café antes de responder, com calma:

— Sabem, quando eu tinha a idade de vocês, jogar bola na chuva era a melhor parte do dia. A gente sequer se preocupava em se molhar.

Carlos bufou.

— Outros tempos, pai. Hoje é diferente.

Vítor olhou para os dois e, com um tom sério, começou:

— Diferente, talvez. Mas deixa eu perguntar uma coisa: vocês sabem a diferença entre se molhar e sentir a chuva?

Gerson franziu a testa.

— Não é a mesma coisa?

Não mesmo — respondeu Vítor, olhando para a chuva que caía com insistência. — Se molhar é o que acontece com todo mundo que está debaixo da chuva. É automático. Mas sentir a chuva... isso é para quem está realmente vivendo o momento.

Carlos inclinou-se um pouco para frente, curioso, embora ainda relutante.

— E o que significa "sentir a chuva", então?

Sr. Vítor deixou a caneca de lado e sorriu, como quem conta um segredo importante.

— Sentir a chuva é quando você para de pensar no desconforto de estar molhado e passa a perceber o que está além disso: o som das gotas batendo no chão, o cheiro da terra molhada, a sensação de liberdade. Quando eu jogava bola na chuva, não era só um jogo. Era a gente rindo, se divertindo, vivendo.

Gerson o interrompeu, rindo nervoso.

— Mas, tio, a gente vai se molhar todo.

Claro que vai — concordou Vítor. — Mas é isso que torna tudo especial. É esquecer o que incomoda e aproveitar o que está acontecendo. E, olha, não é só com a chuva que isso funciona. Na vida, às vezes, você vai enfrentar momentos que parecem tempestades. Pode ser um problema na escola, uma briga com um amigo ou até aqueles dias em que tudo parece dar errado.

Carlos balançou a cabeça lentamente.

— Tá dizendo que, nesses momentos, a gente tem que "sentir a chuva"?

Exatamente — disse Vítor. — Em vez de reclamar ou fugir, tente encontrar o lado bom, a lição. É como transformar um dia chuvoso em um dia de diversão.

Os meninos ficaram em silêncio por um momento, absorvendo as palavras. A chuva continuava caindo, ritmada e constante.

Gerson foi o primeiro a se levantar.

— E se a gente tentar? Quero dizer... jogar bola na chuva.

Carlos olhou para o primo, depois para o pai.

— Tá falando sério?

Por que não? — disse Gerson, enquanto já desamarrava os tênis com pressa. Ele deu uma risada curta e continuou: — Vai ser divertido, né?

Sr. Vítor soltou uma gargalhada daquelas que contagiam. Seus olhos brilhavam, como se ele tivesse acabado de voltar no tempo e, por um momento, fosse o garoto que um dia correra pela chuva sem pensar em mais nada.

— Agora sim! É isso, garotos. Eu pego a bola!

E, sem mais conversa, os três saíram correndo para o quintal, como se fossem amigos da mesma idade. A chuva estava fria, claro que estava, mas quem ligava? A água escorria pelos rostos, os pés se afundavam na lama, e a bola parecia dançar pelo gramado molhado. As risadas deles ecoavam pelo quintal, misturadas ao barulho das gotas batendo no chão. Por um instante, tudo o que incomodava, tudo o que parecia tão grande antes, simplesmente desapareceu. Só existia aquele momento, puro e simples.

Naquela tarde, Carlos e Gerson entenderam algo que nenhuma aula de escola poderia ensinar: nem todos os dias da vida vão ser de céu azul e sol brilhando. Mas, se você deixar, até a chuva pode virar um motivo pra sorrir. Eles descobriram que, mais do que se molhar, o segredo é sentir a chuva. Estar ali, inteiro, presente, sem se preocupar tanto com o desconforto.

Essa história não é só sobre Carlos, Gerson e Sr. Vítor. É sobre todos nós. Às vezes, a gente fica preso reclamando das coisas que saem do nosso controle, como se isso fosse resolver alguma coisa. A chuva, que começou como o vilão daquele dia, acabou se tornando a estrela principal, o cenário de uma lembrança que eles nunca mais iam esquecer.

"Sentir a chuva" não é só uma frase bonita pra colocar no Instagram. É sobre viver de verdade. É sobre abrir mão de controlar tudo e simplesmente abraçar o que está acontecendo. Às vezes, a gente foca tanto no incômodo que nem percebe a beleza escondida ali, nos detalhes: no som das risadas, no cheiro da terra molhada, no jeito que as coisas pequenas, como um chute numa bola, podem ser tão importantes.

No fim das contas, essa história é um lembrete para gente desacelerar, dar valor ao que parece pequeno. As melhores coisas da vida, quase sempre, são aquelas que pegam a gente de surpresa: uma risada inesperada, um instante de diversão, um momento simples que fica guardado no coração para sempre.

Então, se um dia a chuva vier — seja ela de verdade ou só um jeito de falar sobre os problemas — não corra para se esconder. Saia, sinta, ria, escorregue, viva. Porque viver de verdade não é fugir da tempestade. É aprender a dançar — ou jogar bola — no meio dela.

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