sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Pássaro criado em gaiola acredita que voar é coisa de louco.

 
            A sala estava cheia. Os alunos do terceiro ano, com olhares divididos entre curiosidade e tédio, aguardavam o início da palestra. Era mais uma daquelas atividades que a escola organizava para orientar os formandos. O palestrante do dia, o professor e escritor Manoel La Fonte, era um senhor de cabelos grisalhos e postura tranquila, mas com uma energia que parecia transbordar pelos olhos. Ele carregava um exemplar de um dos seus livros, Pássaro criado em gaiola acredita que voar é coisa de louco, e parecia já saber exatamente como cativar aquele público.

Depois de uma breve introdução pela coordenadora, Manoel pegou o microfone e começou:

— Bom dia, pessoal! Eu sei, eu sei... Palestra no meio do ano letivo, ninguém aguenta mais, né? Mas vou tentar não ser chato. Hoje, quero falar sobre uma coisa que talvez vocês ainda não tenham percebido, mas que está moldando a forma como encaram a vida.

Alguns alunos murmuraram. Ele continuou:

— Vocês já ouviram falar do que acontece com um passarinho que nasce em uma gaiola? Ele cresce ali, vendo as grades, ouvindo o barulho de alguém abrindo e fechando a porta da gaiola, comendo a comida que aparece no potinho. E aí, um dia, alguém deixa a porta da gaiola aberta. Sabe o que ele faz?

O silêncio tomou conta da sala.

— Nada. Ele não sai. Não voa. Porque, pra ele, o mundo é aquela gaiola. O céu parece distante demais, o vento é assustador, e voar? Loucura. Ele acredita que as grades são a única realidade que existe.

Um dos alunos, Gabriel, levantou a mão e perguntou:

— Mas, professor, isso é porque ele nunca viu nada além da gaiola, né? Como ele ia saber o que fazer?

Manoel sorriu.

— Exatamente, Gabriel! E agora eu pergunto: quantas “gaiolas” vocês têm na vida?

Os alunos se entreolharam, sem responder. Ele continuou:

— A gaiola pode ser uma ideia que te disseram quando você era pequeno. Algo como: “Você não é bom o suficiente pra isso” ou “Só vá até aqui. Dali em diante não é para você.” Pode ser o medo de errar, a pressão de agradar os outros ou até aquela zona de conforto que parece segura, mas na verdade te prende.

Uma aluna no fundo da sala, Luana, comentou:

— Mas, às vezes, é difícil sair. Tipo, se todo mundo ao nosso redor tá na gaiola, a gente acha que é normal.

Manoel assentiu, caminhando pelo palco.

— Perfeito, Luana! É difícil mesmo. Mas deixe-me contar uma história. Quando eu tinha a idade de vocês, queria ser escritor. Só que todo mundo na minha família dizia que isso era bobagem. “Vai fazer algo mais seguro, Manoel!”, eles diziam. Eu acreditei neles por muito tempo. Achei que meu sonho era “coisa de louco”. Mas, sabem, teve um momento em que percebi que, se eu não tentasse voar, ninguém ia fazer isso por mim. E, somente perto dos 45 anos de idade, criei coragem para escrever meu primeiro livro. Vendeu somente dez exemplares. E fui eu mesmo que comprou para dar de presente. E, se desses dez, alguém o leu, deve ter sido meu pai. O importante dessa história, é que dei o primeiro passo e não desisti. Hoje, dez anos depois, estou lançando o livro tema desta palestra, o meu vigésimo livro escrito.

Ele fez uma pausa, olhando para a turma.

— E é isso que quero que vocês entendam hoje. Não importa o que te disseram até agora, o que importa é o que vocês acreditam ser possível. Sim, sair da gaiola dá medo. É incerto. Vocês podem cair, tropeçar, se machucar. Mas é voando que a gente descobre do que é feito.

Gabriel, intrigado, perguntou:

— E se a gente cair?

Manoel respondeu com um sorriso:

— Cair faz parte do voo, Gabriel. Quando um passarinho aprende a voar, ele não sai do ninho de modo perfeito na primeira tentativa. Ele tenta, erra, tenta de novo. O importante é não desistir.

A turma começou a prestar mais atenção. Ele aproveitou o embalo:

— Olhem pra vocês. Vocês estão se formando, entrando em um mundo que parece imenso e assustador. Mas também cheio de possibilidades. A pergunta é: vocês vão ficar presos às grades que os outros colocaram ou vão abrir as asas e buscar o voo perfeito em direção aos seus sonhos?

Aline, com um brilho nos olhos, comentou:

— Acho que o primeiro passo é acreditar que a gente pode voar, né?

Manoel apontou para ela, sorrindo.

Exatamente, Aline. A liberdade começa aqui, ó — ele apontou para a própria cabeça. — Primeiro, você tem que acreditar que é possível. Depois, vem o trabalho de abrir as asas e enfrentar o vento.

Quando a palestra terminou, a sala estava em silêncio. Mas não era o tédio inicial. Era o tipo de silêncio que vem quando alguém planta uma ideia poderosa na mente de quem ouve.

Ao sair, Gabriel comentou com Luana:

— Acho que hoje vou começar a pensar em como escapar das minhas gaiolas.

E, em algum lugar, já fora da sala, Manoel sorriu, satisfeito. Afinal, o objetivo não era ensinar a voar, mas mostrar que voar sempre foi possível.

Já parou para pensar como somos moldados pelo que nos cerca? Tipo aquele passarinho que nunca viu o céu além das grades. Ele cresce achando que o mundo é só aquilo: o espaço apertado, o comedouro sempre cheio e o teto que limita seus sonhos. Voar? Só uma ideia absurda.

Mas sabe o que é mais louco? Nós nascemos pra “voar”. Pra errar, acertar, cair e levantar de novo. Só que isso exige coragem. Sair da gaiola não é fácil. O vento lá fora pode ser assustador, e o céu parece infinito. Mas é aí que a mágica acontece.

Então, da próxima vez que alguém tentar te convencer de que sonhar alto é loucura, lembre-se do passarinho. Você não foi feito pra viver atrás de grades — reais ou imaginárias. A vida está aí, cheia de possibilidades. Asas você já tem. Só falta dar o primeiro salto em direção à liberdade.

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