Mauro
segurava o estilingue com orgulho, como se fosse a chave para uma grande
aventura. Ao lado dele, Pedro e Lucas compartilhavam a mesma empolgação, rindo
e planejando o que fariam ao encontrar os passarinhos. Era uma tarde quente, e
a sensação de liberdade parecia contagiar o grupo. O portão já estava sendo
empurrado quando a voz grave de Senhor João ecoou pela varanda.
—
Ei, Mauro!
O
garoto parou, ligeiramente contrariado, mas virou-se para o pai.
—
O que foi, pai?
—
Pra onde vocês estão indo com isso aí? — perguntou, apontando para os
estilingues.
— Ah, nada de mais. Vamos só caçar uns passarinhos, vai ser divertido. — Mauro respondeu com um tom de brincadeira, arrancando risadas dos amigos.
O
semblante de Senhor João ficou sério, mas não rígido. Ele não era homem de
impor regras pelo medo. Aproximou-se com calma e colocou uma mão no ombro do
filho.
—
Antes de irem, me deem cinco minutos. Prometo que vai valer a pena.
Os
meninos trocaram olhares, claramente impacientes, mas Mauro cedeu com um
suspiro exagerado.
—
Tá, pai. Fala aí.
Eles
se sentaram no degrau da varanda, enquanto Senhor João ajeitava o chapéu,
olhando o horizonte como se organizasse os pensamentos.
—
Vocês já pensaram que, assim como a sua família espera você voltar pra casa,
tem outras famílias por aí esperando também?
Mauro
franziu o rosto, sem entender.
—
Tá falando de quem, pai?
—
Dos passarinhos. A gente tem essa mania de achar que eles são só bichos. Mas
cada um deles tem sua história. Tem o pai que sai pra buscar comida pros
filhotes, tem a mãe que fica aquecendo o ninho. Quando vocês tiram um
passarinho do mundo, deixam pra trás uma família que nem sabe o que aconteceu.
Pedro
riu, meio sem jeito.
—
Mas, Senhor João, são só passarinhos. Não dá pra comparar com a gente.
—
Não dá? — Ele se inclinou um pouco pra frente, com os olhos fixos no garoto. —
E se alguém dissesse que você é "só um menino"? Que sua vida não
importa porque, no meio de bilhões de pessoas, você é pequeno demais pra fazer
diferença?
O
silêncio tomou conta do grupo. Lucas, que até então mexia no estilingue, parou
e olhou para o chão, visivelmente desconfortável.
—
Sabem, ao longo dos anos, eu aprendi uma coisa: quando a gente tira uma vida,
mesmo que pareça pequena, a gente nunca tira só aquela vida. A gente tira
também os momentos que ela traria para o mundo.
—
Que tipo de momentos? — perguntou Mauro, curioso.
—
Lembra daquele passarinho que canta na árvore da frente de casa todo dia de
manhã? Ele alegra nosso dia sem pedir nada em troca. Agora imagina que alguém
cace ele. O canto dele some. A alegria que ele traz também. E mais: talvez ele
tivesse filhotes, que agora vão passar fome. Tudo isso por quê? Por diversão.
Mauro
cruzou os braços, pensativo.
—
Tá, então não é só passarinho que sofre, né?
Senhor
João, assentiu.
—
Exato, Mauro. É por isso que a gente precisa pensar em tudo o que faz. Às
vezes, para nós, pode parecer algo pequeno, insignificante, mas para outras
vidas pode se transformar em uma dor muito grande.
Os
meninos ficaram em silêncio por um longo momento. Mauro, que sempre tinha uma
resposta pronta, parecia refletir profundamente.
—
Então você tá dizendo que tudo o que a gente faz importa, até as coisas
pequenas?
—
Exatamente, filho. Cada escolha, cada gesto, cada palavra deixa um rastro. A
questão é: que tipo de rastro vocês querem deixar? Um que constrói ou um que
destrói?
Senhor
João olhou para os três meninos por um momento, como se estivesse escolhendo as
palavras com cuidado. Depois de ajeitar o chapéu novamente, começou a falar,
desta vez com mais calma e profundidade.
—
Vocês sabem, garotos, que o mundo não é só o que a gente vê aqui na nossa rua
ou no nosso quintal. Tudo o que a gente faz tem consequências. Quando eu tinha
a idade de vocês, também era meio teimoso e gostava de me divertir sem pensar
muito. Lembro que uma vez, com uns amigos, derrubamos um ninho de passarinhos.
Achávamos que era só uma brincadeira. Só que, no dia seguinte, voltamos lá e
vimos a mãe dos passarinhos voando de um lado para o outro, procurando os
filhotes que nunca mais iam responder. Aquilo me marcou muito.
Os
meninos pareciam hipnotizados pelas palavras de Senhor João, até Pedro, que
geralmente era o mais desatento do grupo, estava prestando atenção.
—
Mas, seu João, isso foi só um passarinho... — murmurou Lucas, ainda sem muita
convicção.
—
Pode parecer pouco, Lucas, mas não é. Já pararam pra pensar como tudo que a
gente faz na vida é como uma pedra jogada num lago? As ondas se espalham e você
nunca sabe até onde elas vão chegar. Quando a gente tira uma vida, mesmo que
pequena, a gente está mudando algo que vai além do que os nossos olhos podem
enxergar.
O
silêncio que seguiu foi pesado, mas João sabia que precisava continuar. Ele
olhou para Mauro, que ainda segurava o estilingue na mão.
—
Mauro, lembra da vizinha Dona Rita?
—
Lembro, sim. Aquela que ficou tão triste quando o gato dela sumiu?
—
Isso. Ela me contou que aquele gato era a única companhia que ela tinha depois
que os filhos se mudaram para longe. Agora, imagina se alguém tivesse machucado
o gato por brincadeira, achando que ele era só mais um bicho? Dona Rita teria
perdido algo que dava sentido ao dia dela.
Pedro
levantou a mão, como se estivesse na escola.
—
Mas, tio João, o que isso tem a ver com passarinhos?
João
sorriu diante da pergunta, percebendo que o garoto estava tentando
entender.
—
Tudo, Pedro. Porque passarinhos, gatos, cachorros, ou mesmo as pessoas que
estão ao nosso redor, têm uma vida que importa para alguém. Pode não importar
diretamente pra gente, mas isso não significa que seja insignificante. Cada
vida que cruza o nosso caminho tem valor, mesmo que a gente não perceba na
hora.
Lucas,
que parecia mais pensativo, arriscou:
—
Então, o senhor quer dizer que, quando a gente machuca um passarinho, pode
estar tirando a felicidade de alguém?
João
assentiu devagar.
—
Exatamente, Lucas. E mais do que isso, quando a gente escolhe machucar, a gente
também se torna alguém que causa dor. Você quer ser essa pessoa? Ou prefere ser
alguém que constrói, que respeita e que faz o bem?
Os
garotos não responderam de imediato. Mauro olhou para o estilingue na mão e,
com um suspiro, colocou-o no chão.
—
Acho que prefiro ser alguém que constrói, pai.
João
sorriu, aliviado, mas sabia que precisava selar aquela lição.
—
E vocês, Pedro, Lucas? O que acham?
Pedro
deu de ombros, mas com um leve sorriso.
—
Acho que o Mauro tá certo. É melhor fazer algo que não machuque ninguém.
Lucas,
ainda pensativo, finalmente concordou:
—
É, tio, a gente não pensava desse jeito. Não tínhamos ideia de que nossa
diversão poderia ser a tristeza de outros. Agora, depois do que o senhor nos
disse, eu aprendi que até os passarinhos têm casa pra voltar, assim como a
gente.
—
Mas, pai, a gente só queria se divertir...
—
E eu entendo isso, filho. Mas tem tanta coisa que vocês podem fazer sem tirar a
vida de ninguém. Que tal transformar isso em algo diferente? Vocês podem usar
esses estilingues para mirar em latas, acertar alvos. É divertido e não machuca
ninguém.
Lucas
ergueu a cabeça, curioso.
—
Mirar em latas?
—
Claro! — respondeu Senhor João com um sorriso. — Faço até um desafio: quem
acertar mais, ganha um prêmio. Que tal?
Os
meninos se entreolharam e, aos poucos, os sorrisos voltaram.
—
Tá bom, pai, você venceu — disse Mauro, colocando o estilingue no bolso.
Senhor
João deu um tapinha amigável no ombro de cada um.
—
Vocês fizeram a escolha certa. E lembrem-se: cada vida tem seu valor, por menor
que pareça.
Os
garotos se levantaram, conversando sobre as regras do novo desafio. A caça aos
passarinhos tinha se transformado em uma brincadeira inofensiva.
.-.-.-.-.-.
O
que Senhor João ensinou aos garotos não era apenas sobre passarinhos. O
respeito pela vida, seja ela humana, animal ou da natureza, é o que nos torna
verdadeiramente grandes. Escolher cuidar em vez de destruir é uma forma de
construir um mundo melhor — para nós e para todos que nos rodeiam. O impacto de
cada pequena decisão é maior do que imaginamos, e cabe a nós decidirmos que
tipo de marca queremos deixar no mundo. No dia a dia, podemos causar mudanças
positivas ou negativas.
Às
vezes, a gente age por impulso, sem pensar nas consequências do que está
fazendo. Mas refletir sobre o impacto das nossas escolhas pode transformar
ações prejudiciais em atitudes conscientes e respeitosas. E você, como suas
ações têm impactado o mundo ao seu redor? As ondas que você cria com as suas
escolhas estão levando mais paz ou mais dor?
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