terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Se o tempo curasse, as farmácias venderiam relógios.

 
            Era uma tarde cinzenta, dessas que fazem a gente querer se encolher num canto com uma xícara de café quente nas mãos. O café perto da faculdade estava lotado, cheio de vozes misturadas e o som de xícaras batendo nos pires. Clara e Luciano conseguiram se acomodar num canto mais tranquilo, mas o silêncio entre eles era mais pesado que a garoa lá fora.

Clara girava sua xícara de cappuccino, buscando coragem para dizer o que precisava. Finalmente, quebrou o silêncio:

— Luciano, você não precisa passar por isso sozinho, sabe? Já faz três meses… e parece que você tá se afastando de tudo. De mim, dos seus amigos, até dos seus sonhos.

Luciano suspirou, desviando o olhar. Ele mexia o café de forma mecânica, como se as respostas pudessem surgir no redemoinho que fazia na xícara.

— Eu sei, Clara. Mas, sei lá… parece que nada do que eu faça vai mudar as coisas. Meu pai se foi. E todo mundo fica falando que o tempo cura. Só que eu tô esperando, e não vejo melhora.

Clara inclinou a cabeça, estudando o rosto dele. O Luciano que ela conhecia era elétrico, cheio de respostas rápidas e uma energia quase impossível de acompanhar. Agora, ele parecia uma sombra de si mesmo, preso em algum lugar distante.

Olha, o tempo não é um remédio mágico — disse ela, com cuidado. — Se fosse, farmácias venderiam relógios, né? O que você tá sentindo não vai sumir do nada. Você precisa encarar isso.

Ele riu, mas foi uma risada amarga, cheia de cansaço.

— Encarar como? Toda vez que penso nele, parece que vou desmoronar. Não quero ser o cara que fica se lamentando. As pessoas têm seus próprios problemas, Clara.

Clara largou a xícara, segurou a mão dele com firmeza e o obrigou a olhar para ela.

— Luciano, sentir não é fraqueza. Muito menos chorar. E você não precisa resolver tudo de uma vez. Mas também não dá pra esperar que as coisas mudem sozinhas. Você acha que seu pai gostaria de ver você assim?

Luciano abaixou os olhos, derrotado. Ele sabia que ela estava certa, mas a dor ainda era tão grande que parecia impossível fazer algo a respeito.

— Eu sinto falta dele. Todo dia. Ele sempre sabia o que dizer, como resolver as coisas. Agora, sem ele, eu me sinto perdido.

Clara apertou a mão dele, querendo que ele sentisse sua força.

— Então talvez comece por isso. Fale sobre ele. Fale o que você sente, o que você lembra. Transforma essa saudade em uma conexão com ele, em vez de deixar isso te afastar da vida.

Luciano respirou fundo. Ficou quieto por alguns instantes, processando as palavras dela.

— Sabe o que é pior? Eu fico esperando acordar e, do nada, não sentir mais nada disso. Como se, de repente, tudo voltasse a ficar bem. Mas isso nunca acontece.

Porque não funciona assim — respondeu Clara, com um sorriso triste. — A dor não desaparece, mas a gente aprende a carregar. E isso tem uma beleza, sabe? Mostra o quanto ele significava pra você. O tempo não cura, mas ele ensina.

Luciano finalmente levantou os olhos. Havia algo diferente ali, uma faísca que não estava antes.

— E se eu falhar?

Então eu estarei aqui pra te ajudar a levantar — disse ela, sem hesitar. — A gente vai devagar, um passo por vez. Hoje, você fala dele. Amanhã, a gente vai ao parque que ele adorava. Com o tempo, vai ficando menos pesado.

Pela primeira vez em meses, Luciano esboçou um sorriso. A dor ainda estava ali, mas agora ele não se sentia tão sozinho.

— Obrigado, Clara. Sério.

Ela sorriu de volta e deu um leve tapa no braço dele.

— Ei, pra isso servem os amigos. E, olha, quando você estiver pronto, vamos fazer um piquenique no parque. Tenho certeza de que seu pai adoraria ver você seguindo em frente, mesmo com saudade.

Luciano respirou fundo, deixando o alívio começar a se infiltrar em meio à dor. Ele sabia que o caminho seria longo, mas, com Clara ao seu lado, parecia possível dar o primeiro passo.

A conversa entre Clara e Luciano é um lembrete de que o tempo não resolve tudo sozinho. Ele é um aliado, sim, mas depende de como a gente escolhe usá-lo. A dor da perda não desaparece como mágica, mas pode ser transformada em uma prova de amor e conexão.

Não precisamos enfrentar nossos fardos sozinhos. Amigos de verdade nos ajudam a carregar o peso, mesmo quando parece insuportável. E, no fim, o que nos torna mais fortes é a coragem de sentir, de pedir ajuda e de transformar a dor em uma parte da nossa história. Porque o tempo não cura, mas dá a chance de aprender a viver com as cicatrizes.

E é porque o tempo não para que não podemos deixar para amanhã aquele beijo, aquele abraço, aquele pedido de desculpas ou aquele "eu te amo". Amanhã, bom, amanhã pode ser tarde demais. E você, está deixando alguma coisa para amanhã? 

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