Era
uma tarde cinzenta, dessas que fazem a gente querer se encolher num canto com
uma xícara de café quente nas mãos. O café perto da faculdade estava lotado,
cheio de vozes misturadas e o som de xícaras batendo nos pires. Clara e Luciano
conseguiram se acomodar num canto mais tranquilo, mas o silêncio entre eles era
mais pesado que a garoa lá fora.
Clara
girava sua xícara de cappuccino, buscando coragem para dizer o que precisava.
Finalmente, quebrou o silêncio:
— Luciano, você não precisa passar por isso sozinho, sabe? Já faz três meses… e parece que você tá se afastando de tudo. De mim, dos seus amigos, até dos seus sonhos.
Luciano
suspirou, desviando o olhar. Ele mexia o café de forma mecânica, como se as
respostas pudessem surgir no redemoinho que fazia na xícara.
— Eu sei, Clara. Mas, sei lá… parece que nada do que eu
faça vai mudar as coisas. Meu pai se foi. E todo mundo fica falando que o tempo
cura. Só que eu tô esperando, e não vejo melhora.
Clara
inclinou a cabeça, estudando o rosto dele. O Luciano que ela conhecia era
elétrico, cheio de respostas rápidas e uma energia quase impossível de
acompanhar. Agora, ele parecia uma sombra de si mesmo, preso em algum lugar
distante.
—
Olha, o tempo não é um remédio mágico — disse ela, com cuidado. — Se
fosse, farmácias venderiam relógios, né? O que você tá sentindo não vai sumir
do nada. Você precisa encarar isso.
Ele
riu, mas foi uma risada amarga, cheia de cansaço.
— Encarar como? Toda vez que penso nele, parece que vou
desmoronar. Não quero ser o cara que fica se lamentando. As pessoas têm seus
próprios problemas, Clara.
Clara
largou a xícara, segurou a mão dele com firmeza e o obrigou a olhar para ela.
— Luciano, sentir não é fraqueza. Muito menos chorar. E
você não precisa resolver tudo de uma vez. Mas também não dá pra esperar que as
coisas mudem sozinhas. Você acha que seu pai gostaria de ver você assim?
Luciano
abaixou os olhos, derrotado. Ele sabia que ela estava certa, mas a dor ainda
era tão grande que parecia impossível fazer algo a respeito.
— Eu sinto falta dele. Todo dia. Ele sempre sabia o que
dizer, como resolver as coisas. Agora, sem ele, eu me sinto perdido.
Clara
apertou a mão dele, querendo que ele sentisse sua força.
— Então talvez comece por isso. Fale sobre ele. Fale o que
você sente, o que você lembra. Transforma essa saudade em uma conexão com ele,
em vez de deixar isso te afastar da vida.
Luciano
respirou fundo. Ficou quieto por alguns instantes, processando as palavras
dela.
— Sabe o que é pior? Eu fico esperando acordar e, do nada,
não sentir mais nada disso. Como se, de repente, tudo voltasse a ficar bem. Mas
isso nunca acontece.
—
Porque não funciona assim — respondeu Clara, com um sorriso triste. — A
dor não desaparece, mas a gente aprende a carregar. E isso tem uma beleza,
sabe? Mostra o quanto ele significava pra você. O tempo não cura, mas ele
ensina.
Luciano
finalmente levantou os olhos. Havia algo diferente ali, uma faísca que não
estava antes.
— E se eu falhar?
—
Então eu estarei aqui pra te ajudar a levantar — disse ela, sem hesitar.
— A gente vai devagar, um passo por vez. Hoje, você fala dele. Amanhã, a
gente vai ao parque que ele adorava. Com o tempo, vai ficando menos pesado.
Pela
primeira vez em meses, Luciano esboçou um sorriso. A dor ainda estava ali, mas
agora ele não se sentia tão sozinho.
— Obrigado, Clara. Sério.
Ela
sorriu de volta e deu um leve tapa no braço dele.
— Ei, pra isso servem os amigos. E, olha, quando você
estiver pronto, vamos fazer um piquenique no parque. Tenho certeza de que seu
pai adoraria ver você seguindo em frente, mesmo com saudade.
Luciano
respirou fundo, deixando o alívio começar a se infiltrar em meio à dor. Ele
sabia que o caminho seria longo, mas, com Clara ao seu lado, parecia possível
dar o primeiro passo.
A
conversa entre Clara e Luciano é um lembrete de que o tempo não resolve tudo
sozinho. Ele é um aliado, sim, mas depende de como a gente escolhe usá-lo. A
dor da perda não desaparece como mágica, mas pode ser transformada em uma prova
de amor e conexão.
Não
precisamos enfrentar nossos fardos sozinhos. Amigos de verdade nos ajudam a
carregar o peso, mesmo quando parece insuportável. E, no fim, o que nos torna
mais fortes é a coragem de sentir, de pedir ajuda e de transformar a dor em uma
parte da nossa história. Porque o tempo não cura, mas dá a chance de aprender a
viver com as cicatrizes.
E é porque o tempo não para que não podemos deixar para amanhã aquele beijo, aquele abraço, aquele pedido de desculpas ou aquele "eu te amo". Amanhã, bom, amanhã pode ser tarde demais. E você, está deixando alguma coisa para amanhã?
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